Na entrevista que deu recentemente à RTP Rui Rio revelou duas coisas importantes. Em primeiro lugar, que há uma fortíssima probabilidade de efectivamente ser candidato a Belém. A decisão não está tomada, mas está a ser ponderada (e muito responsavelmente), tendo em conta os fortes encargos que implica uma campanha que tem de ser assumida pessoalmente antes de poder contar com o apoio de partidos. Há portanto que estar preparado para financiar uma logística cara e vasta. Dívidas e défices não são com Rio, como demonstrou na gestão da Câmara do Porto, ao contrário do que aconteceu em Gaia, ali mesmo ao lado. Rio não está para deixar calotes ou para ter de andar a pagar uma eventual campanha anos a fio, como aconteceu a Freitas do Amaral depois de ter perdido para Mário Sares.
A segunda revelação foi a frontalidade e a simplicidade com que se pronuncia sobre certos temas por muito que possa chocar alguns puristas. Citando-o de memória, Rio manifestou a convicção de que José Sócrates é culpado, mas acrescentou que por vezes dá com ele a pensar se não estará a ser manipulado pela informação que recebe através de violações do segredo de justiça que o levam a isso. Disse ainda que no caso de Sócrates (que não é simplesmente um “ex” entre outros, mas o anterior primeiro-ministro) a acusação deveria ter sido feita em seis meses, no máximo.
Rui Rio pode ter contrariado os códigos, mas honra lhe seja feita: foi honesto e frontal. Expressou um sentimento pessoal, absolutamente legítimo, e formulou a crítica mais pertinente que se pode fazer a um sistema judicial que prende para investigar enquanto saltam notícias que funcionam só contra o arguido. Diga-se aliás que o caso Sócrates não é o único em que tal sucede.
Talvez não seja esta a postura-tipo de um Presidente da República ou de um primeiro-ministro – mas é o discurso de um homem vertical, sério e sensato, apesar de directo e incisivo, o que hoje é uma raridade. Quando muitos candidatos putativos fazem verdadeiros exercícios de funambulismo discursivo para agradar a todos e simultaneamente não se comprometerem com nada e com ninguém, Rui Rio tem a virtude de ser claro no que diz, no caminho que seguirá se for candidato e depois na presidência, se for eleito. Ao menos com ele ninguém poderá mais tarde gritar que foi enganado e que comeu gato por lebre (ou por coelho). Um discurso “pão, pão, queijo, queijo” é algo a que não estamos habituados, salvo quando aparecem candidatos populistas que só recorrem a proclamações incómodas em tempo de campanha eleitoral, enquanto em épocas normais praticamente nada os distingue da classe média.
É verdade que na entrevista Rui Rio não se comprometeu com uma candidatura a Belém. Não admira. Desde logo porque, se avançar, haverá forma de dar a conhecer a decisão de maneira mais espectacular. O que se passou é que Rio decidiu racionalmente (ou seja, depois de pesar prós e contras) não aproveitar a janela de oportunidade que Julho representava para marcar posição e anunciar–se como candidato a partir de 5 de Outubro.
É uma estratégia prudente comum aos outros putativos candidatos do PSD (Marcelo Rebelo de Sousa e Pedro Santana Lopes). Avançar sem conhecer o condicionante essencial do resultado das legislativas é politicamente perigoso. Ao contrário dos seus dois colegas de partido, Rio pode, após as eleições parlamentares, encontrar-se numa situação que lhe ofereça um vasto leque de opções políticas, não limitadas a uma candidatura a Belém. Avulta, por exemplo, a opção de ser candidato a líder do PSD em caso de significativa derrota eleitoral da coligação e saída de Passos Coelho.
Esse passo de Rio teria, no entanto, de ter como prévia intenção um acordo de governabilidade do país estabelecido com o PS, ou através de um governo de bloco central ou da celebração de um acordo parlamentar. Em política não há impossíveis e, recorde-se, Rio e António Costa deram-se lindamente quando eram ambos presidentes de câmara. Num país onde mais de 70% dos votos expressos se concentram em dois partidos que apresentam enormes semelhanças na acção, é óbvio que é nesse espaço que se encontrarão soluções, mesmo transitórias. A recusa sistemática dos partidos à esquerda do PS (nomeadamente o PCP) de aceitarem entendimentos que não imponham rupturas com certos alicerces do regime a isso obriga, salvo em caso de maioria absoluta do PS, o que, desta vez, é uma impossibilidade objectiva.
Jornalista
Director da Newshold
Escreve à quarta-feira