Carlos Martins. “Houve um assassinato público de carácter do Santa Maria”

Carlos Martins. “Houve um assassinato público de carácter do Santa Maria”


Defende a exclusividade no SNS e mais dinheiro para os hospitais universitários. O líder do maior hospital do país fala dos desafios, da gestão e das polémicas.


Trocou a porta blindada que dava acesso à administração por uma de vidro e diz que nunca se sentiu pressionado por qualquer interesse instalado no hospital. Lamenta a forma leviana como algumas pessoas falam do Santa Maria, que encara como uma cidade com 17 mil pessoas. A meio ano do final do mandato à frente da administração do maior hospital do país, Carlos Martins, algarvio e ex-secretário de Estado do PSD, faz um ponto de situação e avalia as voltas que tem dado ao Centro Hospitalar Lisboa Norte. E diz que Paulo Macedo tem sido um ombro amigo.

Estava preparado para estas funções?
Estava, convictamente. De outra forma não teria aceitado. Ser presidente do Santa Maria não era para mim um objectivo. Foi um convite que ponderei durante um mês.
Não temeu ser considerado uma escolha do aparelho?
O que é o aparelho?
O PSD.
Tenho muito orgulho em viver num país democrático, e esse país confere-me o direito de ser militante de um partido. Sou e nunca o escondi, mas não tenho actividade partidária activa desde 2005, quando saí do governo. Até ter retomado funções públicas estive no privado, grande parte deste tempo fora do país. A minha actividade político-partidária decorreu dos meus 18 aos 44 anos. Fui dirigente de estruturas partidárias, deputado, secretário de Estado duas vezes. Tenho muito orgulho no meu passado, como em ter trabalhado nas férias durante o curso. 
Fez o quê?
Fui nadador-salvador e trabalhei em restaurantes de praia. Isto para dizer que tenho orgulho nas minhas raízes, em ter sido professor e na minha vida política.
Mas não foi escolhido por isso?
Não. A escolha não foi do partido, foi de Paulo Macedo, pessoa com quem trabalhava já no ministério como consultor na área internacional e depois nas negociações com os sindicatos. Ele entendeu que eu seria uma pessoa equacionável, pela minha experiência no sector da saúde desde 93, experiência de gestão pública e privada, e conhecendo talvez a minha matriz enquanto pessoa. 
Que é…?
Tenho um bocadinho mau feitio, mas não é má educação. Acho que sou duro, mas sou humano. Isto para dizer que não foi o partido que me indicou, o que aconteceu noutras fases do meu percurso profissional.
E porque aceitou?
Na altura expliquei à minha família: achei que tendo condições tinha de aceitar. Pode achar politicamente correcto, mas foi assim. Como calcula, o dia-a-dia aqui não é fácil. A lei dos compromissos é uma preocupação constante e não é simpático estarmos num exercício com este grau de responsabilidade e saber que até podemos ter de pagar com o nosso património pessoal, e não só pelos nossos erros mas por erros de outros. É preciso ter espírito de missão. Tento sempre comparar esta minha decisão com o serviço militar. Fui chamado e fui, quando outros optaram por apresentar objecção de consciência.
O que fez no serviço militar?
Fui oficial miliciano de artilharia na Base de Santa Margarida. Tinha acabado de arranjar o primeiro trabalho, a minha mulher estava grávida e fiquei três anos longe da família a ganhar muito menos. São decisões que tomamos porque entendemos que é assim que deve ser. É óbvio que desta vez foi uma decisão com consciência de que não íamos ter um mandato fácil. Pela situação de emergência que o país atravessava e pela situação financeira dificílima do hospital.
O mais endividado do país…
Sim. Nem a situação do país, nem o Memorando, nem a dívida eram aliciantes, mas assumimos a missão pensando que poderíamos alterar o rumo da instituição. E quase dois anos e meio depois creio que demos esse contributo e lançámos novos desafios.
Quando teve a noção do que era comandar 6 mil pessoas?
Ter a noção do que é o centro hospitalar, com Santa Maria e Pulido Valente, é algo que nunca se esgota. No primeiro dia o então conselho de administração, que iniciou funções a 21 de fevereiro de 2013, chegou às 9h30 e reuniu com 44 pontos na agenda, o que significa que sabíamos o que nos esperava e quais as medidas a tomar. Penso que foi um sinal importante nessa altura. Mas a maior noção da dimensão não resulta de termos 6 mil profissionais. A maior responsabilidade que sinto diariamente é pelas 3 mil a 4 mil pessoas que atendemos.
Os doentes.
Sim, as pessoas que confiam em nós, a sua qualidade de vida ou a sua própria vida, que são enviadas para aqui de Trás–os-Montes ao Algarve, regiões autónomas e PALOP. Esse número diário e as situações de complexidade é que nos dão a dimensão e nos fazem cá ficar noite dentro, ou vir ao sábado e ao domingo, para encontrarmos as melhores soluções do ponto de vista gestacionário mas também continuarmos a ser farol de inovação. Mesmo no meio da crise, duplicámos o investimento em moléculas inovadoras.
Quanto gastam hoje com esses medicamentos?
Passámos de 10 para 21 milhões anuais. Antes do acordo histórico entre o governo e as farmacêuticas para tratamento da hepatite C já tínhamos 82 doentes em tratamento e ainda em 2013 investimos 2,5 milhões. Fomos pioneiros.
Outros não o fizeram.
Cada um sabe de si e Deus sabe de todos. As instituições não são todas iguais e cada qual tem a sua estratégia. Não consigo conceber que o maior hospital universitário do país não tenha a inovação à disposição dos doentes mas também de estudantes, internos e todos os profissionais que aqui passam em formação. Não o concebo tendo nós tanto a ver com o futuro da medicina portuguesa.
Como se consegue isso sem aumentar a dívida da unidade?
Isso remete para a necessidade urgente de alterar o estatuto dos hospitais universitários. Temos cinco pilares: ensino, formação, investigação, inovação e cuidados diferenciados. Tudo isto é um investimento tremendo. Somos o hospital com maior resposta no país em termos de medicamentos, com 2500 a 3 mil moléculas disponíveis diariamente, que dão resposta, se não a tudo, a quase tudo. Não podemos ter o mesmo modelo de financiamento que uma instituição que só tem como missão a prestação de cuidados. 
Não tem tido financiamento para quê?
Santa Maria tem 60 anos, há uma depreciação das instalações e não temos capacidade financeira para fazer todas as alterações que o hospital merece.
Há áreas no limite do que é digno?
Fechámos algumas porque não estavam reunidas condições de dignidade nem para os doentes nem para os profissionais. E algumas estão recuperadas: vamos agora abrir uma área de consultas de oncologia, cardiologia e pneumologia. Investimos nas coberturas do edifício, em redes informáticas. Nestes três anos investimos 15 milhões, que vieram essencialmente da nossa capacidade de gestão.
De onde?
Do contrato-programa que negociámos melhor com Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, da capacidade de cobrar a seguradoras e outras instituições e de recuperar dívidas. Além disso conseguimos de forma discreta mas sustentada alterar a nossa produção. Deixámos de ter 50% a 60% de produção média ou baixa para passarmos a cerca de 60% de produção média ou alta.
Havendo tantos ses e sendo um tema em discussão há anos, é uma promessa eleitoralista?
Não creio. Está entre as questões incontornável daqui para a frente quando se pensa a evolução do sistema de saúde, assim como a exclusividade dos profissionais que trabalham no SNS.
É desejável?
Extremanente. Sem dúvida faríamos muito mais se tivéssemos os recursos exclusivamente ao serviço da instituição.
É algo que o deixa frustrado?
Não consigo ficar conformado com um conjunto de coisas, e obviamente gostaria de ver uma actividade muito mais equilibrada entre as 8h e as 20h. Não temos a mesma actividade no período da tarde que temos de manhã, basta passar no estacionamento. Agora também aí somos um caso peculiar. Temos 850 médicos nos quadros e depois temos 600 a 700 em formação, portanto o meu corpo clínico divide-se entre a sua actividade assistencial, dar aulas na universidade e a tutoria destes médicos todos em formação, o que dá quase um médico por interno. E ainda tenho médicos que são fantásticos investigadores. No meio disto tudo há uns que ainda fazem privada, mas tendo o dia 24 horas percebe-se mais a limitação de uma instituição como a nossa.
Mas a história de picar o ponto e não estar cá, acontece?
Adoptámos uma política rigorosa em Outubro de 2013: todos os profissionais da casa passaram a ter de marcar biometricamente a entrada na instituição. Regularmente fazemos uma verificação de quem utilizou correctamente o sistema, porque, até numa urgência ou em chamadas ao bloco, há quem se esqueça. Se um profissional tem dez falhas num mês, vamos ver o que se passou. Muitas vezes foi esquecimento. Mas temos situações de despedimento por faltas injustificadas, da carreira médica aos assistentes operacionais.
Mandou instalar o sistema porquê?
O sistema já existia mas a monitorização não funcionava. Também sempre ouvi a história da pessoa que assina pelo colega. Até prova em contrário, o que posso dizer é que os profissionais desta casa cumprem a legislação e as boas práticas. Se não cumprem, a tolerância é zero, e creio que tem havido melhorias porque temos tido alguns casos exemplares. Não admitimos que alguém esteja voluntariamente a prejudicar o erário público.
Desmantelou algum esquema irregular, a dita fraude?
O que posso dizer é que ao longo destes dois anos e meio houve pessoas despedidas, suspensas e pessoas que tiveram de pagar indemnizações à instituição. Há pessoas com processos em tribunal, pessoas que estão a ser investigadas pelo MP. E para além daquilo que é o normal, agir com inquéritos e auditorias de rotina, temos tido a iniciativa de preparar processos para sermos ressarcidos pelo facto de o bom nome da instituição ser lesado. E ninguém está acima desta forma de actuar. Quando o então director clínico do hospital deu uma entrevista ao vosso jornal [Miguel Oliveira da Silva:“Em 60 anos nunca senti tantas pressões”, Dezembro de 2014] com um conjunto de percepções e opiniões pessoais, tivemos a mesma postura: mandar investigar e verificar se existe fundamento. Até porque as situações não nos tinham sido reportadas. 
Oliveira da Silva falava de descontrolo orçamental e de pressões para escolha de pessoas. A que conclusão se chegou?
As situações estão a ser analisadas e só depois se tomará uma decisão. Tenho para mim que grande parte do que foi afirmado não tem sustentação e foi mau para a instituição. E ainda recentemente fomos confrontados de forma surreal com mais de 80 notícias num período de 72 horas sobre um estudo com uma série de alegações com base em percepções. 
Fala do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos que dizia que o Santa Maria é dominado por interesses da maçonaria, do Opus Dei e um ninho do PS.
Estudo que é baseado em cerca de 30 entrevistas e tem uma meia dúzia de afirmações bombásticas sem um serviço ou pessoa identificada. São rumores de gravidade extrema. Houve um assassinato público de carácter da instituição naquelas 48 a 72 horas, e o pior que pode acontecer é ser julgado em praça pública quando não há materialmente provas de nada.
Acha que seria possível provar materialmente a influência da maçonaria ou do Opus Dei?
Se isso acontece, os meios de investigação têm capacidade para detectar conversas, trocas de emails.
São rumores que sempre correram.
No Santa Maria circulam 17 mil a 20 mil pessoas por dia, entre doentes, profissionais, faculdade, fornecedores. Seguramente há pessoas de várias etnias, religiões, partidos, clubes de futebol e organizações que defendem modelos de sociedade, como a maçonaria ou o Opus Dei. Temos tudo porque somos o espelho de sociedade.
Mas não há interesses dominantes?
Não. Além disso, só pessoas impreparadas ou frágeis sentirão a pressão como algo negativo num cargo como este. Também acho que quem gosta de pressionar em sentido negativo sabe com quem lida, e eu tenho fama de ter mau feitio, se calhar por isso nunca fui pressionado.
Nunca?
Não. Tenho uma relação tranquila com partidos, sindicatos e directores de vários quadrantes.
É maçon?
Na opinião de algumas pessoas tanto sou maçon como do Opus Dei, católico praticante e não praticante. Pelos rumores que já ouvi sou um pouco de tudo. Tenho várias opções de vida conhecidas, como ser do Benfica, ter uma opção política, ser algarvio. Outras não.
Não responde?
E se fosse da maçonaria, ou ateu, ou judeu, qual era o problema desde que a minha atitude perante a lei e o accionista seja irrepreensível? Qual é o drama de ser de um determinado clube ou de uma determinada organização?
Ter mudado duas vezes de director clínico não fragilizou a sua administração?
Acho que não. Estranho é não haver coesão num conselho de administração. 
Foi sempre decisão sua?
Foi resultado de conversas mantidas com quem saiu e de as pessoas entenderem que não tinham condições. Mantenho com ambos uma relação correctíssima. A primeira directora, Maria do Céu Machado, foi nomeada directora de departamento e temos uma relação cordata e educada. O seguinte, Miguel Oliveira da Silva, não é dirigente mas exerce aqui a sua actividade clínica, é professor, e temos também uma relação cordata e educada. O desejável é começar e acabar com uma equipa, mas a regra é em equipa que ganha não se mexe. Quando há um jogador que pode fragilizar a equipa, mexe-se.
E difícil trabalhar consigo?
Não sei. Tenho um ritmo que não é fácil acompanhar, às vezes vou jantar e volto.
Mudou-se para Lisboa?
Sim. Os meus filhos estão cá, a minha mulher no Algarve. Se calhar isso cria--me aqui tempo para ser workahólico, e reconheço que sou um bocado intransigente. Neste tipo de instituição, tempo é dinheiro e pode significar mais cuidados. 
Quais são os momentos mais fortes?
Casos que acompanhei, até porque o conselho de administração se pronunciou, em que as pessoas acabaram por falecer. E não é por pensar porque teremos investimos, mas pela derrota. Senti-me derrotado várias vezes. E depois há casos que nos deixam extremamente felizes. Uma mãe em risco de vida com uma apendicite a quem conseguimos, com uma técnica inovadora [passou duas semanas da gravidez com a barriga aberta], dar esperança de vida e que devolvemos à sociedade com um bebé nos braços. E temos um jovem que conseguimos tratar depois de ter sido recusado em 40 hospitais e que tem aqui a mãe a viver connosco há um ano. A mãe e o miúdo acreditaram que iam ultrapassar esta fase difícil e isso aconteceu, o que é prova de que o SNS responde. Quando se discute se dá ou não dá, muita gente não sabe do que fala.
Na sua opinião o SNS está melhor?
Está. Eu diminuí a despesa mas em áreas não produtivas em termos assistenciais. Cortei em sistemas de informação e mesmo na farmácia hospitalar, onde reduzimos os custos, dobrámos a aposta em inovação. Temos mais medicação para doenças raras, temos 600 doentes a fazer tratamento da hepatite C. E não foi só com genéricos, foi melhorando a gestão. 
Então as queixas que ouvimos, de descontentamento, desinvestimento, dificuldades de acesso, são uma invenção?
Claro que não. Os profissionais é óbvio que não estarão satisfeitos, porque perderam vencimento e poder de compra. Melhorámos muito o acesso, passámos de 9 mil em lista de espera para 6 mil. Mas ainda são 6 mil, por isso há dificuldades e queremos diminuir para 5 mil. Claro que houve dificuldades com a saída de recursos humanos e tivemos de tomar decisões sabendo que puxando de um lado destapávamos do outro. E houve momentos de diminuição momentânea da produção porque optámos por garantir a urgência, porque somos uma porta a nível nacional. Agora no último ano temos 60 novos médicos, refundámos três ou quatro serviços cuja tendência era para desaparecerem, contratámos 150 enfermeiros, quando não entrava um desde Outubro de 2011.
Houve racionamento de cuidados?
Não. Estamos a tratar doentes mais complexos, que é a nossa missão.
Isso implicou mandar outros embora.
Devolvemos doentes aos hospitais e centros de saúde da sua área de residência.
E as pessoas perceberam?
A maior parte sim. E devo dizer que, numa patologia de enorme sensibilidade, as cerca de mil pessoas que estavam cá e não deviam foram chamadas uma a uma e não houve nenhuma reencaminhada sem o seu consentimento. Tivemos sensibilidade nos casos em que devíamos ter, nomeadamente na infecciologia.
Qual foi a decisão mais difícil?
Com os doentes não me arrependo de nenhuma. Há algumas situações que actualmente decidiria de forma diferente, mais de timing. Mas acho que estamos a viver um momento único, com uma muito melhor cultura relacional entre o hospital e a reitoria. Vamos ganhar muito em capacidade de resposta e melhores cuidados no futuro. Estamos por exemplo a colaborar com o Técnico em biomedicina, bioimagem e simulação.
Viu muita pobreza nos anos de crise?
Sim. As famílias estão cada vez mais desestruturadas, por várias razões. Todos os dias recebo o relatório de situações anómalas e toca-me saber que temos de pagar táxis a pessoas idosas porque não têm ninguém que as venha buscar e não querem sair de transporte. Preferem ficar no hospital. E muitas vezes são os profissionais que pagam do seu bolso o transporte, como pagam roupa, sapatos, leite ou fraldas a pessoas que não têm claramente meios de subsistência. Não é por falta de apoio do Estado e por a instituição não reagir, porque temos um bom serviço social. Mas prova que a administração pública não é insensível. 
Vê o impacto negativo da crise na saúde?
Houve o alargamento das isenções de taxas moderadoras, mas isso não resolve completamente o problema dos mais desfavorecidos. Se me pergunta se a crise que o país atravessou atingiu a saúde, claro que atingiu. Houve muitos pensionistas e desempregados que faziam opções na farmácia sobre o que deviam adquirir e vi pessoas negociar o pagamento, situações a que já não estava habituado. E as farmácias, as que puderam, tiveram uma atitude de grande responsabilidade social. Sei de algumas que voltaram a ter um livrinho de conta corrente.
Reconhece algum erro a Macedo?
Um dos motivos pelos quais estou nestas funções é o ministro chama-se Paulo Macedo.
Mas respeitando essa lealdade…
Quando um dia tiver de ser desleal demito-me. A minha lealdade com o ministro é institucional mas também pessoal. Em muitas alturas em que os dias não eram fáceis encontrei ânimo em tranquilas conversas sem papéis com Paulo Macedo.
Não houve erros?
Toda a gente comete erros. Eu próprio terei errado, até como já disse em alguns timings, mas farei esse balanço em Janeiro, quando terminar o mandato. O governo tem também objectivos que não foram atingidos. Um objectivo genuíno do governo era dar um médico de família a cada português. Era mesmo genuíno – até porque Paulo Macedo não é político e digo isto com respeito por mim próprio. Ele definiu o objectivo, negociou um acordo com os sindicatos para isso mas não conseguiu e assumiu-o. É uma questão muito objectiva. Em matéria de reforma hospitalar há um conjunto de coisas que não foram conseguidas, como a definição dos centros de excelência. Acredito que haja coisas que Paulo Macedo não conseguiu, mas conseguiu a maioria. E não nos podemos esquecer da situação que o país atravessou e atravessa, do Memorando e das reuniões periódicas com a troika.
Recebeu alguma vez um ofício que lhe deixasse os cabelos em pé?
Do ministro e dos secretários de Estado não. Mas houve momentos em que a legislação e as orientações da ARS me deixaram mais preocupado. Tenho de reconhecer que as negociações dos contratos-programa não são momentos fáceis.
Alguma vez disse que não assinava?
Não. E quando o fizesse ia-me embora. Ou a situação era tão grave que tinha de sair por ser impossível gerir o hospital ou teria de ir ao accionista, neste caso ao ministério, perguntar o que devia fazer. Quando cheguei em 2013 a negociação estava bloqueada e fomos nós que fechámos o contrato em Abril, tendo noção de que era injusto. Mas aos poucos conseguimos reduzir o gap entre o adequado e o que a ARS dava, garantindo que iríamos reduzir o prejuízo mensal. E em 2013 fechámos o ano com resultados muito diferentes da previsão catastrófica de então. É preciso perceber que os hospitais têm dois tipos de despesa: o contratado e o que chamo constitucional – dos doentes que chegam de passagem, que não estão programados. Quando digo que 75% dos doentes não são da nossa zona, não estão todos descobertos, mas 25% a 30% estão. A anterior administração chegou a ter prejuízos de produção de 30 milhões e eu de 20 milhões. Espero chegar ao fim deste ano com uma situação mais equilibrada.
De quanto?
O ano passado fechámos com um prejuízo de 2,5 milhões. Este ano poderemos ter um resultado um bocado pior fruto de investimentos, mas longe dos 70 milhões de outros tempos. Tem muito a ver com o que acontecer o resto do ano. 
Manda emails aos directores de serviço a dizer que ultrapassaram o plafond?
Nós mandamos informação aos nossos dirigentes com os resultados, partilhamos as preocupações e apontamos objectivos. Ainda no fim de Junho o fizemos. 
Mas manda suspender intervenções?
Essas decisões nunca podem ser tomadas. O que se pode decidir é modelar o custo dos dispositivos abrindo consultas ao mercado. Já o disse: se me for dada a opção de ir a tribunal por não ter cumprido a lei dos compromissos ou por homicídio involuntário, vou pelo primeiro. Mas isto não implica menos rigor na gestão. Não temos monitorização para efeitos contemplativos, mas para correcção no sentido de não aumentar os custos mas continuar a ter resposta. Estamos por exemplo com programas de afiliação com vários hospitais, o que evita que os doentes venham para cá e se traduz num maior equilíbrio para a instituição. Nas Caldas asseguramos consultas de psiquiatria de segunda a sexta. Em Santiago do Cacém o apoio em imunoterapia e no Garcia de Orta assumimos resolver 300 cirurgias por ano em tiróide, vesícula e hérnias abdominais, o que são menos 300 cidadãos enviados para o sector privado.
A nível nacional, o pior já passou? 
A fase crítica passou. Mas acho que os próximos anos continuarão a ser de grande rigor na negociação dos contratos-programa e teremos de continuar este caminho porque a herança do passado, pessoal e institucional, foi muito pesada.
Sentiu-a na pele?
Claro.
Teve uma redução salarial de quanto?
De 40% a 50%. Não é tanto isso, mas o facto de a capacidade da República para financiar algo crucial ter estado em causa. O mínimo desvio deste percurso de rigor, de transparência e estratégia poderá voltar a causar seríssimos problemas na capacidade de resposta do SNS, pelo endividamento e pela incapacidade negocial com os fornecedores. Se continuarmos neste trilho a sustentabilidade será mais fácil e haverá mais ganhos de saúde. Sendo sérios, o país continua a ter indicadores de saúde pública muito positivos. E são indicadores que nos permitem olhar para o futuro com a esperança e a convicção de que os sacrifícios que fizemos não foram em vão, e isso também me deixa de consciência tranquila. 
Não se arrepende de ter aceitado o lugar?
Não estou nada arrependido, mas reconheço que foi mais desgastante do que contava.
O que o desgastou mais?
A burocracia, as ilações e percepções e a forma leviana como algumas pessoas falam do Santa Maria, bem como a ausência de maior reconhecimento do que de fantástico esta instituição faz. Independentemente do tempo que passe cá, será sempre uma experiência marcante. l z l