As férias dos portugueses


Agora vou ali experimentar a praia urbana do Torel para não dizerem que não sei o que é a vida. Agosto em Lisboa é tão bom, não é?


Estava a pensar nas semelhanças entre os que se queixam de não haver uma indignação em tão grande escala com a morte de crianças como com a que houve com a morte do leão Cecil no Zimbabué e aqueles que perguntam quando sai o segundo livro sem terem folheado o primeiro, quando começo a fazer um zapping. Com o televisor no silêncio, deitada no sofá a praticar posições que orgulhariam qualquer Doris Day, parei num “Opinião Pública” por causa do título: “As férias dos portugueses”. Ora ali estava um tema excitante, que ao mesmo tempo revelava um desespero próprio de programas quase a ir de férias. 

Com o televisor sem som, tentei adivinhar o que diriam contabilistas, bancários, empresários, reformados e desempregados (são sobretudo estas as profissões/situações das pessoas que intervêm no programa) em relação a um tema sobre o qual não me lembraria de pedir a “opinião” de ninguém. Imaginei que muitos aproveitariam para ligar só para dizer que não teriam férias, visto que não tinham um tostão furado no bolso. Depois o comentador em estúdio, uma espécie de feriólogo, diria que muita gente ficaria em casa no Verão pelo mesmo motivo, como se este ano fosse completamente diferente de tantos anteriores. A previsibilidade que me fazia repousar os olhos num televisor mudo seria aparentemente interrompida pela notícia no dia seguinte sobre filas intermináveis de carros em direcção ao Algarve. Vozes esquecidas deste hábito tão português, ritual rodoviário de 1 de Agosto, aproveitavam a falta de memória alheia para repetir o clássico (também aplicado a festivais de Verão), “ainda dizem que não há dinheiro…”, como se, de novo, este ano fosse tudo diferente do que sempre foi. 

A verdade é que “as férias dos portugueses” são aquilo que sempre mais ou menos foram: modestas, rotineiras, em família. Ou seja, não são realmente férias, mas não necessariamente por não haver uma mudança de cenário. Um cavalheiro entrevistado numa praia em Cascais dizia que morava ali e que as férias dele seriam ali. Pareceu-me razoável e possível em certas circunstâncias, a saber: não ser obrigado a participar em nada, não se preocupar com nada e não ter horários para nada. “Nada” é uma palavra que associo a férias, mas não sei se serei tão rápida a associá-la às “férias dos portugueses”, que começam precisamente com aquele primeiro dia de inferno passado no trânsito. 

Será que os alemães têm hábitos parecidos e saem em massa de Frankfurt com a família às costas no dia 1? Para onde irão? Talvez de Lisboa para o Algarve no mesmo dia 1… Algo me diz que os norte-coreanos não têm férias, a menos que sejam decretadas por Kim Jong un. E os ingleses? Parece-me que os vi há dias no jardim da Gulbenkian, elas de biquíni e eles de calção, deitados na relva, branquinhos como a cal, a apanhar sol. As férias dos chineses, pelo menos no estrangeiro, incluem gastar muito dinheiro e o mais depressa possível. Gosto do hábito, mas agora vou ali experimentar a praia urbana do Torel para não dizerem que não sei o que é a vida. Agosto em Lisboa é tão bom, não é? 
Escreve à segunda-feira  

As férias dos portugueses


Agora vou ali experimentar a praia urbana do Torel para não dizerem que não sei o que é a vida. Agosto em Lisboa é tão bom, não é?


Estava a pensar nas semelhanças entre os que se queixam de não haver uma indignação em tão grande escala com a morte de crianças como com a que houve com a morte do leão Cecil no Zimbabué e aqueles que perguntam quando sai o segundo livro sem terem folheado o primeiro, quando começo a fazer um zapping. Com o televisor no silêncio, deitada no sofá a praticar posições que orgulhariam qualquer Doris Day, parei num “Opinião Pública” por causa do título: “As férias dos portugueses”. Ora ali estava um tema excitante, que ao mesmo tempo revelava um desespero próprio de programas quase a ir de férias. 

Com o televisor sem som, tentei adivinhar o que diriam contabilistas, bancários, empresários, reformados e desempregados (são sobretudo estas as profissões/situações das pessoas que intervêm no programa) em relação a um tema sobre o qual não me lembraria de pedir a “opinião” de ninguém. Imaginei que muitos aproveitariam para ligar só para dizer que não teriam férias, visto que não tinham um tostão furado no bolso. Depois o comentador em estúdio, uma espécie de feriólogo, diria que muita gente ficaria em casa no Verão pelo mesmo motivo, como se este ano fosse completamente diferente de tantos anteriores. A previsibilidade que me fazia repousar os olhos num televisor mudo seria aparentemente interrompida pela notícia no dia seguinte sobre filas intermináveis de carros em direcção ao Algarve. Vozes esquecidas deste hábito tão português, ritual rodoviário de 1 de Agosto, aproveitavam a falta de memória alheia para repetir o clássico (também aplicado a festivais de Verão), “ainda dizem que não há dinheiro…”, como se, de novo, este ano fosse tudo diferente do que sempre foi. 

A verdade é que “as férias dos portugueses” são aquilo que sempre mais ou menos foram: modestas, rotineiras, em família. Ou seja, não são realmente férias, mas não necessariamente por não haver uma mudança de cenário. Um cavalheiro entrevistado numa praia em Cascais dizia que morava ali e que as férias dele seriam ali. Pareceu-me razoável e possível em certas circunstâncias, a saber: não ser obrigado a participar em nada, não se preocupar com nada e não ter horários para nada. “Nada” é uma palavra que associo a férias, mas não sei se serei tão rápida a associá-la às “férias dos portugueses”, que começam precisamente com aquele primeiro dia de inferno passado no trânsito. 

Será que os alemães têm hábitos parecidos e saem em massa de Frankfurt com a família às costas no dia 1? Para onde irão? Talvez de Lisboa para o Algarve no mesmo dia 1… Algo me diz que os norte-coreanos não têm férias, a menos que sejam decretadas por Kim Jong un. E os ingleses? Parece-me que os vi há dias no jardim da Gulbenkian, elas de biquíni e eles de calção, deitados na relva, branquinhos como a cal, a apanhar sol. As férias dos chineses, pelo menos no estrangeiro, incluem gastar muito dinheiro e o mais depressa possível. Gosto do hábito, mas agora vou ali experimentar a praia urbana do Torel para não dizerem que não sei o que é a vida. Agosto em Lisboa é tão bom, não é? 
Escreve à segunda-feira