Vimos que entre os consumidores de notícias de justiça estão, por definição, aqueles que terão de julgar judicialmente os casos como se fossem uma ardósia em branco. E a quem se pede, num esforço inumano e inexigível, que nenhuns pré-conceitos tenham sobre a história narrada, avaliada e já julgada social e mediaticamente (nos media e nas redes sociais, sem qualquer base analítica própria sobre provas – que, aliás, não têm existência senão intraprocessualmente).
Admitindo que tal esforço inumano e inexigível é logrado por alguns julgadores, não pode também deixar de admitir-se o inverso. É quanto basta para fragilizar a imagem de independência e acerto da justiça. Daí que soe oca, em tantos casos, a afirmação da confiança no supostamente “sereno” processo de formação de convicções no julgamento judicial de casos mediáticos.
Casos existirão, é certo, em que a confiança é recompensada com a obtenção de julgamentos justos, não previamente decididos com base em pré--convicções vindas do julgamento mediático. Mas casos haverá em que assim não é. Em que o julgamento judicial se vê empurrado para ser conforme à opinião publicada.
E o que se diz relativamente ao julgamento em primeira instância por maioria de razão valerá para os julgamentos subsequentes. Aí ainda é mais remota a relação do julgador com a prova produzida directa e imediatamente em primeiro julgamento.
Por tudo isto mantenho uma íntima dúvida (legítima) sobre se a decisão de um determinado caso teria sido a mesma se tal caso não fosse mediático. Seja condenatória, seja absolutória.
Este perigo é tanto maior quanto se ponderar estar ultrapassada a teoria do espelho, segundo a qual a imprensa mostra a realidade como um espelho. Essa teoria foi ultrapassada porque na construção da realidade feita pelos media intervêm muitos factores (além dos humanos e linguísticos) que fazem com que entre os factos e a notícia “vá um passo de gigante”.
A doutrina elenca-os: “a empresa informativa, sua organização e interesses, as rotinas produtivas dos profissionais – sem descartar as suas manias e inclinações –, a instrumentalização interna do meio em questão, ou externa a ele, a pluralidade ou não dos meios, suas circunstâncias e o contexto social. Mesmo não querendo manipular nem enviesar os factos, optando (…) por um relato honesto e não adulterado, a elaboração informativa, (…) não só resulta de seleccionar umas palavras em vez de outras, mas também de ordenar o ocorrido (…) de acordo com pautas e rotinas habituais dos diferentes tipos de jornalismo. Esses modos de proceder (…) utilizam–se com o fim de se tornar a notícia comunicacionalmente mais eficaz, e essa retórica não está isenta de persuasão (…). Mas quando se ultrapassam certas linhas vermelhas, estreitas e difusas, tal elaboração pode cair na trivialidade ou no sensacionalismo”2 .
Daí o medo sincero que tem de sentir-se quando sociológica, psicológica e juridicamente se conclui que os julgadores, de todos os graus de jurisdição, com maior ou menor grau de autocrítica, não são imunes a este tipo de formatação emergente da opinião pública e publicada.
Advogado, escreve à sexta-feira
1. Conclusão da apresentação proferida nas “Jornadas sobre Corrupção – Justiça, Comunicação Social e Aspectos Processuais”, Figueira da Foz, 20.06.2015.
2. Josep Mompart, La corrupcíon y los medios de comunicación en la Comunitat Valenciana, in Corrupción Pública Cuestiones de política criminal (ii), Direc. Ángeles Jareño Leal, Iustel, Madrid, 2015, p. 171.