“O antigo presidente da câmara bem dizia: é bom viver em Cuba. Mas ao fim–de-semana vai tudo para o Algarve.” Carlos Baptista tem 55 anos e está a tentar aguentar o Café Central numa terra cada vez mais às moscas. “As oliveiras já são quase todas dos espanhóis e a maior parte do trabalho quem dá é a câmara. As máquinas comeram o resto.”
O concelho tem pouco mais de 4 mil habitantes e há mais de um século que não eram tão poucos. O negócio do Central está nesta família desde 1957 e, depois de o patriarca morrer – faz 15 anos –, ficou nas mãos de três de seis irmãos: Caló, como chamam a Carlos, Angelina Laura e António Manuel.
{relacionados}
Os locais ainda lembram o sr. Paquete como a alma da casa. “Era como a Angelina, mais alto. Trazia muita disciplina.” Hoje, os filhos servem sobretudo bicas e uma ou outra bebida, e o bar está bem guarnecido com preciosidades de outros tempos como garrafas de capilé, aguardente 202 ou a que se fazia numa aldeia ali perto e também do concelho, Vila Alva – tradição que há uns anos acabou com o desmantelamento, com grande aparato, da produção doméstica.
cubenses reservados As mesas de bilhar já não funcionam, segundo Caló, para evitar chatices. Para petiscar há pratinhos de tremoços, oferta da casa com as bebidas. Mas tirando as apostas nos jogos da Santa Casa, o que traz mais gente ao café é mesmo a bica depois do almoço. E a família a que os mais antigos na terra já estão habituados.
Os cubenses não são de muitas declarações públicas. “Isto é um meio pequeno, ninguém gosta muito de dar nas vistas e aparecer a dizer coisas”, justificam.
Mas lá conseguimos um pouco de história. Antigamente, lembram alguns, no Central só entravam os senhores ricos, os trabalhadores do campo ficavam à porta. E os gaiatos também não eram muito bem-vindos, só se se portassem bem. Na parte de cima do prédio funcionava um clube de jogo.
O maior sobressalto da casa, para se ter uma ideia da agitação que tem andado por ali, terá sido nos anos 1950 – desde então, nada a assinalar. Todos os anos, no primeiro fim-de-semana de Setembro, há a feira anual e faz-se uma largada na rua principal. Faz 60 anos, o touro subiu ao clube e os homens empoleiraram-se nas estreitas varandas de ferro, que por pouco não vieram abaixo. Pouco tempo depois, foi o Central invadido. “Teve mais sorte que eu, que nunca entrei aqui nesses tempos.”
Seria o primeiro café frequentado pelas mulheres da terra, mas só as casadas e depois do 25 de Abril. E histórias da revolução? “Havia os comunistas, mas também havia gente boa”, dispara outro freguês. Se o Alentejo foi bastião comunista, também houve o outro lado. “Ainda chegaram aqui a bater num juiz”, recorda outro, para logo serenizar a lembrança. “Foi sobretudo um tempo de extremos, mas não foi só em Cuba.”
O tempo de desigualdades que se julgava que estivesse para terminar, e hoje constatam que persiste, foi durante décadas uma das principais críticas de um dos cubenses mais ilustres, ainda que emprestado à terra. Fialho de Almeida (1857-1911), médico e escritor, era de Vila de Frades mas acabou por fixar-se na vila e continua a ser o nome mais famoso de Cuba. “É um bocado mórbido, mas ainda há pessoas que lá vão em romaria ao jazigo, no cemitério”, continuam os nossos interlocutores.
No topo do jazigo há dois felinos que lembram a obra por que ficou mais conhecido (“Os Gatos”, crónicas publicadas entre 1889 e 1893, e hoje parte do Plano Nacional de Leitura.) Na terra todos sabem de cor o epitáfio inscrito na pedra branca, a frase célebre de Fialho: “Miando pouco, arranhando sempre, não temendo nunca.” Cumpri-lo é outra história. Hoje, além das desigualdades se manterem, há menos humanidade e simplicidade nas pessoas, opina outro cubense.
Cuba foi sempre um meio pobre, explica Caló, que tenta não se resignar. Quando abriu a estação ferroviária em 1864 e a vila se tornou centro de expedição de cereais e cortiça, houve um boom e vislumbrou-se outro futuro. Para se ver como era a pobreza, conta, goza-se que o cubense, quando viu chegar o comboio a vapor, pensou que estivesse constipado e deitou-lhe uma manta por cima. Quando se está de novo em declínio, a piada continua a fazer-se.
Os mais velhos morreram e muito trabalho no campo está a cargo de imigrantes, sobretudo romenos, que trazem à terra uma pobreza diferente. Há orgulho na arte sacra da igreja e na hipótese de ali ter nascido Colombo, mas parece haver qualquer coisa por cumprir-se. Pensam em fechar? “Nunca se sabe o dia de amanhã”, insiste Caló, que também tem as suas histórias. “Houve aqui um homem, o Manelico, que em tempos conseguiu pôr a Volta a Portugal a passar frente ao café. Quando lhe perguntaram se algum dia Cuba ia ter um ciclista a correr, respondeu ‘não confirmo nem desminto’. Digo o mesmo.”
Nunca se sabe mesmo. Desde 2008 que a Volta não desce ao Sul e não está previsto que aconteça até 2017, por falta de dinheiro. Mas Cuba tem visto crescer um ciclista, João Letras. Encontramo-lo no Facebook. A volta começou esta semana e ainda não é desta que o cubense de 23 anos participa. Mas está lançado. “É o meu sonho correr a Volta a Portugal”, conta. Está numa equipa sub-23 e para isso terá de entrar numa profissional. “Difícil mas não impossível e todos os dias trabalho para lá chegar.”