Incompreensível


No início deste mês, o Supremo Tribunal Administrativo confirmou a sanção disciplinar de advertência aplicada a um procurador que em 2009, no Seixal, após ter sido apanhado a conduzir e a falar ao telemóvel, se dirigiu a um agente da PSP nos seguintes termos: “Não pago nada, apreenda-me tudo, caralho. Estou a divorciar-me, já tenho…


No início deste mês, o Supremo Tribunal Administrativo confirmou a sanção disciplinar de advertência aplicada a um procurador que em 2009, no Seixal, após ter sido apanhado a conduzir e a falar ao telemóvel, se dirigiu a um agente da PSP nos seguintes termos: “Não pago nada, apreenda-me tudo, caralho. Estou a divorciar-me, já tenho problemas que cheguem. Não gosto nada de me identificar com este cartão, mas sou procurador. Não pago e não assino. Ai você quer vingança, então ainda vai ouvir falar de mim. Quero a sua identificação e o seu local de trabalho.”

Note-se ainda que o MP tinha considerado não haver crime de injúrias ou ameaças: “Não obstante integrar um termo português de calão grosseiro, foi proferido como desabafo e não como injúria. […] Tal expressão equivale a dizer-se, desabafando ‘Caralho, estou lixado.’ Admite-se que houve falta de correcção na linguagem, mas não de molde a beliscar a honorabilidade pessoal e funcional do agente.”

Muito se poderia dizer sobre tão leve decisão. Na verdade, não é facilmente compreensível que o comportamento acima descrito tenha como efeito a sanção mais leve plasmada no Estatuto do Ministério Público; só um corporativismo preocupante pode explicar tal sanção, não percebendo os seus autores que, com estas medidas, estão a denegrir um corpo profissional que tem muitos e bons magistrados.

É certo: qualquer um de nós pode ter um deslize; mas é igualmente certo que, num Estado de direito que cultiva a igualdade, cada de nós deve ser integralmente responsabilizado pelos seus actos.

Enquanto assim não for, estaremos a transmitir a toda a comunidade valores profundamente errados.

Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve à quarta-feira 

Incompreensível


No início deste mês, o Supremo Tribunal Administrativo confirmou a sanção disciplinar de advertência aplicada a um procurador que em 2009, no Seixal, após ter sido apanhado a conduzir e a falar ao telemóvel, se dirigiu a um agente da PSP nos seguintes termos: “Não pago nada, apreenda-me tudo, caralho. Estou a divorciar-me, já tenho…


No início deste mês, o Supremo Tribunal Administrativo confirmou a sanção disciplinar de advertência aplicada a um procurador que em 2009, no Seixal, após ter sido apanhado a conduzir e a falar ao telemóvel, se dirigiu a um agente da PSP nos seguintes termos: “Não pago nada, apreenda-me tudo, caralho. Estou a divorciar-me, já tenho problemas que cheguem. Não gosto nada de me identificar com este cartão, mas sou procurador. Não pago e não assino. Ai você quer vingança, então ainda vai ouvir falar de mim. Quero a sua identificação e o seu local de trabalho.”

Note-se ainda que o MP tinha considerado não haver crime de injúrias ou ameaças: “Não obstante integrar um termo português de calão grosseiro, foi proferido como desabafo e não como injúria. […] Tal expressão equivale a dizer-se, desabafando ‘Caralho, estou lixado.’ Admite-se que houve falta de correcção na linguagem, mas não de molde a beliscar a honorabilidade pessoal e funcional do agente.”

Muito se poderia dizer sobre tão leve decisão. Na verdade, não é facilmente compreensível que o comportamento acima descrito tenha como efeito a sanção mais leve plasmada no Estatuto do Ministério Público; só um corporativismo preocupante pode explicar tal sanção, não percebendo os seus autores que, com estas medidas, estão a denegrir um corpo profissional que tem muitos e bons magistrados.

É certo: qualquer um de nós pode ter um deslize; mas é igualmente certo que, num Estado de direito que cultiva a igualdade, cada de nós deve ser integralmente responsabilizado pelos seus actos.

Enquanto assim não for, estaremos a transmitir a toda a comunidade valores profundamente errados.

Professor da Faculdade de Direito de Lisboa
Escreve à quarta-feira