O secretário de Estado do Ensino Superior, José Ferreira Gomes, determinou a instauração de um processo de contra-ordenação à entidade fundadora da Escola Superior de Educação João de Deus e a abertura de um processo de verificação da manutenção dos pressupostos de reconhecimento de interesse público da instituição.
O despacho tem data de 29 de Maio de 2014 e prende-se com o conhecimento de factos novos, durante uma auditoria da IGEC – Inspecção-Geral da Educação e Ciência, em 2013. “A auditoria foi suspensa pois, durante o período de audiência de interessados, vieram a conhecer-se factos novos e iniciou-se, de imediato, o processo de averiguações à regularidade de funcionamento” de quatro mestrados, cancelados em Outubro desse ano.
A Escola Superior de Educação João de Deus está agora parada à espera que o Ministério da Educação decida sobre quatro mestrados. Enquanto isso, e por causa de uma guerra que se discute na secretaria, mais de 300 alunos têm a sua vida suspensa há dois anos. O director da instituição, António Ponces de Carvalho, diz que já tentou tudo para desbloquear a situação, até o tribunal.
A história tem barbas. Os cursos foram encerrados em Outubro de 2013, mas o processo recua a 2011. Pelo caminho, inspecções e relatórios da IGEC – Inspecção-Geral da Educação e Ciência, troca de correspondência com Nuno Crato, mudança de secretários de Estado do Ensino Superior e uma A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior com mão pesada.
Tudo começou com “um problema burocrático com a agência [A3ES] – explica Ponces de Carvalho. Que eu tive o cuidado de, pessoalmente, relatar ao senhor ministro da Educação, em Dezembro de 2011”. Actualmente, o problema burocrático está no Tribunal Administrativo, “porque não tivemos outro recurso”.
O “problema burocrático” é que os quatro mestrados da Escola Superior de Educação João de Deus não estavam acreditados, o que levou ao seu fecho, como já foi escrito, em Outubro de 2013, com alunos que já tinham a data de defesa da tese marcada por dias a verem o seu diploma por um canudo. Porque a lei mudou.
Os ciclos de estudos em causa foram autorizados pela tutela. E a acreditação só passou a ser obrigatória a partir de determinada altura. O Ministério da Educação confirma: “De facto, foram. Contudo, essas autorizações foram proferidas ao abrigo de um regime transitório que cessou com a entrada em funcionamento da A3ES, tendo por isso caducado. Todas as instituições de ensino superior que pretenderam manter em funcionamento os seus ciclos de estudos tiveram de submeter os correspondentes pedidos de acreditação preliminar à agência”. E foi isto que esta escola não fez.
Uma guerra pessoal Mas como é possível que uma questão que foi levantada em 2011 ainda não esteja resolvida quatro anos depois? O Ministério da Educação e da Ciência responde ao i que “o processo relativo à Escola Superior de Educação João de Deus é juridicamente muito complexo”. Apesar disso, garante, “será tomada uma decisão nas próximas semanas”.
Ponces de Carvalho tem outras explicações e há até quem fale em represálias pessoais. Isto porque o director da Escola Superior de Educação João de Deus foi um dos grandes críticos do modelo de funcionamento da A3ES, a quem considerou desde o primeiro momento que estavam a ser dados demasiados poderes.
Quando a agência ainda não passava de um projecto de lei e estava longe de se saber quem iria dirigi-la, António Ponces de Carvalho (cuja primeira licenciatura é em Física), teve oportunidade de discutir o assunto com Mariano Gago, com quem colaborou no IST – Instituto Superior Técnico. Na altura, aliás, deu várias entrevistas públicas, sempre com a mesma tónica: a de que a agência tinha concentrados demasiados poderes e não tinha de dar satisfações a ninguém.
Um desses episódios aconteceu durante o programa “Sociedade Civil”, na RTP2, sobre a A3ES, em que esteve presente ele próprio, o secretário de Estado do Ensino Superior da altura, Manuel Heitor, Alberto Amaral, hoje presidente do conselho de administração da administração da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, e o presidente do conselho de reitores das universidades portuguesas públicas. Fez as críticas do costume, considerando que a agência podia fazer o que queria sem ter de se justificar e há quem garanta a boca pequena que Alberto Amaral terá ficado agastado e vários o terão ouvido dizer que haveria de fechar a Escola João de Deus.
Alberto Amaral defende-se e diz que está tudo justificado e que além dele existe um conselho de curadores e um conselho de revisão. E, depois, ainda existem os tribunais.
“Os ciclos de estudo não estavam acreditados como está previsto na lei. Com a criação da agência, ó santinha, os registos [porque os cursos estavam registados] não valem um pataco”, disse o responsável ao i.
E avançou que “em Agosto ou no início de Setembro, que é quando reúne o conselho de administração da agência, serão comunicados os resultados dos processos de acreditação” dos cursos. Isto porque termina agora em Agosto período de suspensão de dois anos dos mestrados previsto na lei e que foi aplicado pelo Ministério da Educação à Escola Superior de Educação João de Deus. “No entanto, poderão existir sanções acessórias, não sei”, diz Alberto Amaral.
Ponces de Carvalho continua a dizer que o processo foi mal conduzido e que tem direito a uma defesa que começou por nem sequer ser aceita pela A3ES. O presidente da agência diz que esta chegou fora de prazo, mas o director da João de Deus lembra que foi a agência que disse à instituição para recorrer para o conselho de revisão, o que esta fez, a troco de mais 12 mil euros, para obter como resposta que nada poderia fazer uma vez que a decisão do conselho de administração da agência de avaliação não era definitiva. Foi só aí que Ponces de Carvalho decidiu recorrer ao tribunal administrativo, “e não foi para obrigar a agência a acreditar os cursos, mas sim para aceitar o nosso contraditório”.
Por ano, a Escola Superior de Educação João de Deus formava entre 70 a 80 professores, às vezes mais. Estes não são os únicos cursos a ser fechados e em Setembro vários estabelecimentos de ensino superior vão ter menos cursos acreditados (ver caixa). A decisão é da A3ES e algumas instituições vão recorrer.