1. Por ora, o assunto da reforma dos estatutos das magistraturas está encerrado. Foi, infelizmente, uma oportunidade perdida que, ao que creio, nenhuma das partes previra. Dificuldades no afinamento da metodologia de trabalho de um processo – que todos queriam inovador e profícuo – terão comprometido, por fim, o seu sucesso. Na próxima legislatura será, contudo, essencial que alguns dos resultados obtidos possam ser aproveitados – isto mesmo que se imponha reponderar a sistematização das propostas avançadas nos diferentes projectos.
2. Duas são, afinal, as questões que importa definir e levar em conta para a revisão futura do Estatuto do Ministério Público (MP). Uma diz respeito à arquitectura da magistratura do MP na nova organização judiciária. A outra, à definição das competências e coordenação da intervenção dos órgãos de governo do MP: hierarquia e conselho superior.
3. Quanto à primeira, haverá que indagar como evoluirá a organização judiciária e, portanto, quais as condições organizativas adequadas ao exercício das sempre mais exigentes funções desta magistratura. Decalcar, pura e simplesmente, o sistema actual e adaptá-lo sofrivelmente às novas estruturas da justiça pode não ser suficiente e, em alguns casos, revela-se indesejavelmente contraproducente. Neste plano deve, aliás, ter-se em conta positivamente o acordo entre o grupo de trabalho e o governo.
Refiro-me à necessidade de procuradorias verticais, centralizadas e dependentes da PGR para acompanhar ou apoiar áreas temáticas específicas. Existem, com efeito, casos complexos e multidisciplinares que, por isto mesmo, devem ser tratados estrategicamente, tendo em vista defender de modo integrado o interesse público nas diversas jurisdições. Não parece produtivo, de facto, continuar a de-senvolver iniciativas parcelares e processos autónomos que ou se neutralizam ou se transtornam. A sociedade tem direito de exigir do MP resultados não apenas formais, mas essencialmente substantivos na resolução dos problemas para que ele é constitucionalmente competente.
4. Num outro plano – mas inevitavelmente relacionado com a arquitectura do sistema –, é imperativo repensar as carreiras dos magistrados. A manutenção das actuais distinções artificiais entre os diversos escalões funcionais não permite a escolha dos melhores, mais experientes e mais actualizados magistrados para os lugares certos.
Ela dificulta a gestão e potencia sobretudo o exercício de poderes discricionários e burocráticos que tanto afectam a sua vida privada e profissional como inclusive condicionam, não raro, a actuação e o desempenho processual do MP. Conceber uma verdadeira carreira plana, baseada em critérios objectivos de experiência, formação especializada e mérito, parece, pois, fundamental para o sucesso de qualquer reforma.
5. Quanto ao problema da coordenação da intervenção dos órgãos de governo do MP – que trataremos num outro texto –, importa referir desde já que é aí que hoje se situa, verdadeiramente, o problema da autonomia do MP.
Ele repercute-se nos planos externo e intra-institucional e nos planos interno e hierárquico-funcional. Qualquer destas vertentes molda profundamente o estatuto constitucional do nosso MP, como recentemente foi reafirmado pela ministra da Justiça e pela PGR quando intervieram, em representação de Portugal, na discussão do projecto do Procurador Europeu.
Conseguir coordenar estas duas faces da mesma moeda constitui, na verdade, um desafio estimulante e necessário.
Jurista
Escreve à terça-feira