Nove meses


Falou-me de um amigo que pensava mudar-se para Lisboa e abrir cá a sua empresa. Mas depois de saber da “demora” para se poder trabalhar, repensou a mudança.


Conheci há algum tempo um simpático australiano (mas há australianos antipáticos?) que abandonou o conforto de Londres para abrir um bar no Cais do Sodré, em Lisboa. Digo conforto de Londres desde logo porque ele era um dos mais respeitados e profissionais barmen de Londres e, por amor, resolveu, se não mudar totalmente de vida, pelo menos mudar muita coisa e mudar-se para Lisboa.

Contou-me como foi abrir o seu cocktail bar numa das zonas hoje mais concorridas da cidade quando o sol se põe. E, passados já alguns meses da abertura, ainda está bem na sua memória que demorou nove meses para conseguir as inúmeras licenças necessárias para funcionar na legalidade, porque, aliás, nem outra coisa lhe passava pela cabeça. Nove meses em que, portanto, não obteve qualquer rendimento, qualquer cliente, qualquer lucro. Falou-me também de um seu amigo que pensava fazer o mesmo, mudar--se para Lisboa e abrir cá a sua empresa. Mas, depois de saber da “demora” para se poder trabalhar, tinha repensado a mudança e, por enquanto, mantinha-se na capital britânica.

Os nove meses, esse tempo matricial, eram por todos os seus interlocutores portugueses envolvidos na mesma área de negócio considerados um prodígio de rapidez, contou-me. Talvez porque, de facto, este investidor tinha tido o apoio da Câmara Municipal e da StartUp Lisboa, onde se dirigiu a dizer simplesmente “quero investir aqui, quero abrir um bar, sei o que faço e preciso que me ajudem a descobrir quais os passos que tenho de dar” e foi apoiado. Essa parte correu muito bem, segundo ele. O que correu pior foi o calvário dos projectos, das obras e das licenças que permitiriam a abertura. Pelo que me disse, aliás, na própria câmara continuam a existir departamentos com interpretações e soluções distintas para o mesmo assunto, dificultando desde logo uma certeza quanto ao caminho certo e, naturalmente, adiando qualquer início de actividade. Mas seguramente que não é só na câmara que residem as dificuldades.

Enquanto a atitude de boa parte da nossa administração perante um cidadão ou uma empresa continuar a ser um misto entre “cá está mais um para me enganar” e “espera que te faz bem e há mais à espera”, será sempre difícil dizer-se que somos amigos do investimento, seja ele nacional ou estrangeiro. A não ser que estejamos a falar daquele tipo de investimento que tem direito a decretos-lei próprios, e mesmo esse depara-se por vezes com a vida real da nossa burocracia.

Note-se que é excelente abrir uma empresa numa hora, haver serviços próprios de encaminhamento e apoio aos investidores (acho que agora se chamam empreendedores, investidores seria no século passado…), disponibilizar-se um front office que funciona. Mas falta muito do resto ainda. Nove meses para poder ter um bar de 30 metros quadrados a funcionar devidamente licenciado é simplesmente um exagero e um insulto a quem quer trabalhar e dar trabalho a outros. E é suficiente para levar muitos a concluir ser inviável apostar em Portugal.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Nove meses


Falou-me de um amigo que pensava mudar-se para Lisboa e abrir cá a sua empresa. Mas depois de saber da “demora” para se poder trabalhar, repensou a mudança.


Conheci há algum tempo um simpático australiano (mas há australianos antipáticos?) que abandonou o conforto de Londres para abrir um bar no Cais do Sodré, em Lisboa. Digo conforto de Londres desde logo porque ele era um dos mais respeitados e profissionais barmen de Londres e, por amor, resolveu, se não mudar totalmente de vida, pelo menos mudar muita coisa e mudar-se para Lisboa.

Contou-me como foi abrir o seu cocktail bar numa das zonas hoje mais concorridas da cidade quando o sol se põe. E, passados já alguns meses da abertura, ainda está bem na sua memória que demorou nove meses para conseguir as inúmeras licenças necessárias para funcionar na legalidade, porque, aliás, nem outra coisa lhe passava pela cabeça. Nove meses em que, portanto, não obteve qualquer rendimento, qualquer cliente, qualquer lucro. Falou-me também de um seu amigo que pensava fazer o mesmo, mudar--se para Lisboa e abrir cá a sua empresa. Mas, depois de saber da “demora” para se poder trabalhar, tinha repensado a mudança e, por enquanto, mantinha-se na capital britânica.

Os nove meses, esse tempo matricial, eram por todos os seus interlocutores portugueses envolvidos na mesma área de negócio considerados um prodígio de rapidez, contou-me. Talvez porque, de facto, este investidor tinha tido o apoio da Câmara Municipal e da StartUp Lisboa, onde se dirigiu a dizer simplesmente “quero investir aqui, quero abrir um bar, sei o que faço e preciso que me ajudem a descobrir quais os passos que tenho de dar” e foi apoiado. Essa parte correu muito bem, segundo ele. O que correu pior foi o calvário dos projectos, das obras e das licenças que permitiriam a abertura. Pelo que me disse, aliás, na própria câmara continuam a existir departamentos com interpretações e soluções distintas para o mesmo assunto, dificultando desde logo uma certeza quanto ao caminho certo e, naturalmente, adiando qualquer início de actividade. Mas seguramente que não é só na câmara que residem as dificuldades.

Enquanto a atitude de boa parte da nossa administração perante um cidadão ou uma empresa continuar a ser um misto entre “cá está mais um para me enganar” e “espera que te faz bem e há mais à espera”, será sempre difícil dizer-se que somos amigos do investimento, seja ele nacional ou estrangeiro. A não ser que estejamos a falar daquele tipo de investimento que tem direito a decretos-lei próprios, e mesmo esse depara-se por vezes com a vida real da nossa burocracia.

Note-se que é excelente abrir uma empresa numa hora, haver serviços próprios de encaminhamento e apoio aos investidores (acho que agora se chamam empreendedores, investidores seria no século passado…), disponibilizar-se um front office que funciona. Mas falta muito do resto ainda. Nove meses para poder ter um bar de 30 metros quadrados a funcionar devidamente licenciado é simplesmente um exagero e um insulto a quem quer trabalhar e dar trabalho a outros. E é suficiente para levar muitos a concluir ser inviável apostar em Portugal.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa