A praça de Xangai viveu ontem o pior dia desde 2007, com o principal índice accionista, o Shenzhen, a cair 7%. No entanto, durante a negociação o índice chegou a afundar 8,5%, o que fez tremer as bolsas um pouco por toda a Europa.
Há várias sessões que as bolsas do gigante asiático estão a negociar no vermelho, mas ontem as autoridades começaram a levar as mãos à cabeça, por nenhum dos mecanismos de controlo parecer estar a funcionar, no dia em que foi revelado que o índice de produção industrial chinês contraiu em Junho.
As autoridades chinesas já tentaram de tudo para travar a queda livre das bolsas, mas nada parece estar a resultar: nem a proibição de vendas a descoberto, nem a limitação de compra por grandes accionistas, nem sequer as regras que ditam que nenhuma cotada pode cair mais de 10% num dia – ainda que possa continuar a negociar. Mais de 1700 empresas afundaram 10% durante o dia de ontem, numa sessão em que apenas 78 cotadas garantiram uma sessão positiva.
O sentimento negativo que pesou nos investidores na China, como é apanágio do ambiente de mercados, contagiou as restantes bolsas mundiais, e tanto a Europa como os EUA fecharam no vermelho, ainda que com quedas menos acentuadas.
Mas o que preocupa os analistas nem são as bolsas ou as semelhanças com o ‘crash’ de 1929 de que muita gente se lembrou ontem. Porque as bolsas na Ásia e nos EUA, no caso, não podem ser directamente comparáveis. “As quedas sucessivas dos índices accionistas não são preocupantes para a economia real, uma vez que as acções representam menos de 15% do património das famílias chinesas e a emissão de acções é responsável por menos de 5% do financiamento da sociedade”, explica ao i StevenSantos, gestor do BiG.
“A maioria dos chineses tem o património em liquidez e depósitos, pelo que um crash na China não tem o mesmo impacto que teria nos EUA ou até na Europa”. O maior risco, continua o especialista “é a possibilidade de a China estoirar e arrastar a economia mundial, devido às interdependências que tem com os outros blocos económicos. A economia chinesa está a atravessar grandes transformações, como a transição de um modelo de exportações para um modelo baseado no consumo interno e o aumento do investimento directo estrangeiro noutros países”.
Filipe Garcia, presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros, lembra que o mercado chinês está também a corrigir dos ganhos elevados dos últimos meses. “Se analisarmos de Junho de 2014 a Junho de 2015, o índice subiu 150%”. O que preocupa é o movimento de desaceleração da economia, confirma o especialista. “Os dados dão a entender que estamos perante uma desaceleração da economia. O governo chinês tem dificuldades, como qualquer planificação central, em conseguir coordenar os objetivos de política económica. Ao mesmo tempo que se preocupa com a inflação, também gostaria de incentivar a economia. Ao mesmo tempo que quer impedir as quedas bolsistas, preocupa-se com os níveis de crédito concedido. Políticas do tipo de construção de infraestruturas ou em que as empresas produzem para stock têm efeito limitado no impacto e no tempo”, sublinha.
As matérias-primas também afundaram na sessão de ontem, com o índice da Bloomberg que agrega as principais ‘commodities’ a bater mínimos de 13 anos. Neste caso, a questão não foi apenas de contágio: as matérias-primas vão, muito possivelmente, sofrer com o abrandamento da China, até agora um dos maiores importadores do mundo. “Como a China depende menos da construção de obras públicas e das exportações do que há uns anos, os mercados de commodities estão a adaptar-se a uma nova realidade, com menos compradores e, nalguns casos, maior produção gerada por avanços tecnológicos como os que ocorreram com o gás de xisto nos EUA”, refere Steven Santos. Filipe Garcia, por seu lado, chama a atenção para o facto de ter que se “considerar que a generalidade dos mercados está bem abastecida em termos de oferta e não há constrangimentos a esse nível. A força do dólar tem feito o resto”, nota o economista.