De bestial a besta? Roberto, ex-padre de Canelas, pode acabar suspenso

De bestial a besta? Roberto, ex-padre de Canelas, pode acabar suspenso


Roberto Carlos acusou um colega de abusos sexuais, mas o Ministério Público não encontrou indícios. O padre sensação que arrasta multidões pode estar metido em sarilhos.


Um ano depois de a polémica ter estalado, o padre Roberto Carlos continua a ser desejado na antiga paróquia, em Canelas, e a arrastar multidões. Mas muito em breve poderá ter de enfrentar vários processos – canónicos e civis – que, no limite, dizem canonistas ouvidos pelo i, poderão ditar o seu afastamento do sacerdócio. 

Com o recente arquivamento, pelo Ministério Público, das denúncias de abuso sexual que fez contra um colega e com a desobediência ao bispo do Porto – que já dura há meses –, Roberto Carlos arrisca-se a ser suspenso. A história, que continua a embaraçar a Igreja, começou há um ano, quando o bispo do Porto decidiu transferir o padre de Canelas para outra paróquia.

D. António dos Santos comprava assim uma das maiores guerras de que há memória na história da Igreja portuguesa. E, além de ter de lidar com centenas de paroquianos indignados com a mudança de padre, teve ainda de enfrentar a resistência de próprio sacerdote. Roberto Carlos chegou a escrever uma carta ao bispo, em Setembro, ameaçando-o que, se fosse mudado de paróquia, revelaria publicamente um escândalo de abusos sexuais que envolvia um colega, Abel Maia, padre em Fafe. 

D. António dos Santos não cedeu à chantagem e não só nomeou um novo padre para Canelas  como também encaminhou a carta com a denúncia para as autoridades civis e para o arcebispo de Braga – o superior hierárquico do sacerdote visado. Como consequência, o Ministério Público abriu um inquérito para apurar os supostos abusos, ao mesmo tempo que o arcebispo de Braga entregava a investigação canónica à congregação dos Dehonianos, a que Abel Maia pertencia à época dos supostos envolvimentos sexuais. 

Na semana passada, o Ministério Público anunciou o arquivamento do caso: não foram encontrados indícios de abusos e alguns dos factos relatados na carta já prescreveram. Abel Maia, que sempre se disse inocente e foi suspenso de funções, já avançou com uma queixa contra o padre Roberto Carlos por difamação e calúnia. O processo ainda está a correr e o ex-padre de Canelas terá de agora de provar, perante as autoridades civis, as afirmações que fez na carta. 

Calúnia no direito canónico A investigação civil aos abusos sexuais já foi encerrada, mas a investigação canónica, ao que o i apurou, ainda não foi concluída. Mas caso também aponte para a inexistência de abusos, Roberto Carlos poderá enfrentar a barra do Tribunal Eclesiástico do Porto. É que o Direito Canónico prevê, no cânone 1390, que “quem apresentar ao superior eclesiástico denúncia caluniosa de delito” poderá ser “punido com pena justa”. 

O Código não estabelece uma moldura penal precisa, mas os canonistas com quem o i conversou defendem que, por “pena justa”, deve entender-se “a mesma pena que seria atribuída ao visado da denúncia, caso fosse verdadeira”.

Como o abuso sexual de menores pode ditar a suspensão de um sacerdote, a mesma pena poderá ser, assim, aplicada ao padre Roberto Carlos. Para que o processo avance será necessário, no entanto, que Abel Maia apresente queixa no Tribunal Eclesiástico do Porto (o da jurisdição de Roberto Carlos), dado que o crime de falsidade não é automático (o equivalente a público, no Direito civil). 

Desobediência ao bispo Além destes processos, o ex-padre de Canelas poderá ainda ter de enfrentar um outro, por desobedecer ao bispo do Porto. Isto porque os padres, a partir do momento em que são ordenados, assumem o dever de obediência ao bispo da diocese a que pertencem. E em Junho do ano passado, quando D. António dos Santos anunciou a Roberto Carlos que teria de abandonar Canelas para se dedicar às paróquias de Lousada ou Marco de Canaveses, o padre recusou e informou que preferia ser capelão militar ou hospitalar. 

O bispo do Porto fez-lhe a vontade e prometeu encontrar-lhe um lugar nessas condições, mas dias depois Roberto Carlos mudou de ideias e comunicou que, caso fosse transferido de Canelas, não aceitaria quaisquer outras funções.

Dois meses mais tarde, em Setembro, enviou a D. António dos Santos a carta em que comunicava que permaneceria em Canelas e ameaçava divulgar os supostos abusos do padre Abel Maia caso fosse transferido. O bispo não cedeu: o mandato de Roberto Carlos em Canelas terminava oficialmente em Novembro e foi nomeado um novo sacerdote para a paróquia, Albino Reis –  constantemente vaiado pela população e obrigado a celebrar missas sob escolta da GNR. 

Entretanto, o bispo providenciou um lugar para Roberto Carlos, como capelão hospitalar, como pedira inicialmente. Mas o sacerdote recusa-se a tomar posse do cargo e, nos últimos meses, tem organizado celebrações oficiosas em Canelas. Na Páscoa, por exemplo, juntou 400 pessoas numa missa campal e  reafirmou, perante aplausos, que recusa “estar noutra paróquia”.  

Admoestação e suspensão Caso Roberto insista em não tomar posse do cargo de capelão hospitalar, concordam os canonistas consultados pelo i, o bispo do Porto poderá admoestá-lo formalmente. Canonicamente, a admoestação é uma espécie de aviso escrito, em que o bispo comunica uma ordem que deve ser cumprida em 30 dias, alertando para as consequências da eventual desobediência. 

Se, ainda assim, Roberto Carlos persistir em não obedecer ao superior hierárquico, incorrerá numa pena canónica. O castigo pode ir desde uma limitação ao ministério de padre – ser proibido de celebrar missas ou de confessar pessoas, ser obrigado a recolher-se num mosteiro ou ser impedido de exercer  em determinada zona territorial, por exemplo – até à suspensão total do ministério.

Nunca mais será igual O bispo do Porto, dizem os especialistas ouvidos pelo i, também poderá simplesmente “fechar os olhos” e deixar Roberto Carlos continuar sem paróquias e a celebrar missas oficiosas em Canelas. Uma solução que traria “alguma paz” a uma diocese que vive, há um ano, em tumulto – com vigílias de protesto recorrentes e que já chegaram a juntar três mil pessoas.  

Porém, o arquivamento do Ministério Público às denúncias que Roberto Carlos fez contra o colega Abel Maia está a indignar o clero – chocado com a possibilidade de as graves suspeições serem, afinal, falsas. Este ambiente, concordam padres e canonistas ouvidos pelo i, está a pressionar o bispo do Porto a tomar uma medida em relação a Roberto Carlos. “É demasiado evidente que o bispo não consegue ter mão nele”, resume um dos sacerdotes. A diocese do Porto não comenta o caso e Roberto Carlos não atende o telefone.

 

Cronologia

Junho de 2014  
O bispo do Porto comunica a Roberto Carlos que será transferido ou para a paróquia de Lousada ou para Marco de Canaveses. Roberto pede ao bispo um cargo de capelão hospitalar ou militar e o bispo aceita. Dias depois, o sacerdote comunica que se sair de Canelas não aceitará outro lugar. Três mil pessoas juntam-se, em Canelas, numa vigília de protesto contra a saída do padre. 

Setembro de 2014 
Roberto escreve ao bispo a anunciar que ficará em Canelas e a ameaçar contar publicamente um caso grave de abusos sexuais de um colega acontecido em 2003. O bispo não cede à chantagem e entrega a carta às autoridades civis. O Ministério Público começa a investigar supostos abusos sexuais cometidos pelo padre visado, Abel Maia, de Fafe.   

Novembro de 2014 
Cessa formalmente o vínculo de Roberto Carlos à paróquia de Canelas e o bispo oferece-lhe novamente a possibilidade de assumir uma capelania num hospital, mas o sacerdote recusa. Albino Reis, o novo padre, chega a Canelas. Centenas de pessoas tentam agredi-lo e a GNR é obrigada a escoltá-lo sempre que aparece na paróquia. 

Janeiro de 2015 
Centenas de paroquianos fazem uma vigília frente à Sé do Porto, em protesto contra a decisão do bispo de retirar Roberto de Canelas.

Março de 2015 
A GNR continua a ser chamada a Canelas. A porta da igreja é arrombada por militares, depois de ter sido selada para não deixar Albino Reis entrar. 

5 de Abril de 2015 
Roberto Carlos junta 400 paroquianos em Canelas numa missa campal e reafirma que se recusa “a estar noutra paróquia”.

23 de Julho de 2015
O Ministério Público anuncia o arquivamento do inquérito em que Abel Maia era acusado de abuso sexual de menores. Não foram encontrados indícios das acusações feitas por Roberto Carlos.