Monte da Caparica. O vira do Manuel e da Laurinda

Monte da Caparica. O vira do Manuel e da Laurinda


Antes, no lugar do Central, era a leitaria da terra. O café sobreviveu aos tempos em que a vila era local de tráfico de droga e ganhou novos clientes com as universidades.


Ao início mais parece um tango, mas daqueles em fase de aquecimento e que não se percebe muito bem se vai ou racha. “Ou falas tu ou falo eu”, diz Manuel Sequeira, 54 anos, sócio-gerente do café Central. Laurinda, um ano mais velha, lá sai da conversa mas a abanar a cabeça, para dizer sem precisar de palavras que às vezes o marido não leva jeito. Mas bem que lhe tem apertado o coração e isso é meio caminho andado para, apesar das turras, terem ar de quem se acerta. 

Faz um ano, Manuel esteve mesmo “a patear”. Passou mais de 15 dias no hospital, em estado crítico, depois de uma infecção num cateter da diálise. Recuperou, felizmente, e cá estão eles para as curvas. Casaram há 15 anos, já com filhos e mais até para agradar à família, “mais conservadora”. Pela mesma altura herdaram a gestão do café Central do Monte da Caparica, que está na família há pelo menos 30 anos, quando o pai de Manuel se decidiu meter no negócio.

O sr. Sequeira, lembra-o a nora, é um homem conhecido no Minho e com muitos prédios em Lisboa. O filho assumiu as rédeas do café e, desde então, tem tentado manter a casa o melhor que pode. Como é isso? “Há dias bons e depois há dias maus”, resume Manuel, mais bonacheirão à medida que a conversa vai avançando. Mas ainda de poucas palavras.

 

É Laurinda que acaba por fazer de mestre-de-cerimónias: são de Viana do Castelo mas, por força do trabalho no café, acabaram por fazer do Monte terra emprestada. E se o café dá trabalho: pegam às 6h para começar a tratar dos salgados e dos bolos e fecham à meia--noite. Com as limpezas e o cuidado de deixar tudo em ordem para o dia seguinte, às vezes já só vão para casa pelas três ou quatro horas da madrugada, o que dá pouco mais de duas horas de sono.

E como aguentam o ritmo? Aí é o verdadeiro vira minhoto, sorri Laurinda. Têm sociedade com um casal amigo, também de Viana, curiosamente outro Manuel e outra Laurinda. Só muda o apelido: os outros são Cunha. E eis o vira: fartam--se de trabalhar durante seis meses, mas o resto do ano é dos outros. “E nós temos seis meses de férias”, conclui Laurinda. “Sabe bem, mas ao primeiro já começo a ficar farta.” Todos os anos alterna: este ano pegaram a 15 de Junho e devem rumar ao norte depois do Natal. Seguem–se então meses em que Laurinda deixa o trabalho na cozinha, que divide com a cozinheira cabo-verdiana Adalci, e passa a dedicar-se a tempo inteiros aos filhos, hoje já crescidos, e aos bordados. “Fazia cortinados para toda a gente.”

Pratos da época Mas o modelo de negócio, saído da cabeça deles, tem mais que se lhe diga. Com o vira dos sócios há diferentes especialidades na casa. Se os Sequeira são mais dos pratos de forno e guisados, como o pernil e o bacalhau à minhota ou a mão-de-vaca com grão, os Cunha apostam mais nos grelhados. “Têm menos trabalho”, desabafa Laurinda, que isto de ver quem se sai melhor até dá outra pica. Mesmo que, feitas as contas, seja ela por ela. Os clientes também já se habituaram à dança e quando muda a gerência aparecem em força, carinho que Laurinda diz saber bem. Isso e ter quatro empregados que são como mobília da casa e família. “Às segundas, quando fechamos, até sentimos falta”, brinca.

Como em todo o lado, o negócio foi abaixo com a crise. “Baixou cerca de 50%”, diz Laurinda. “Passou tudo a levar comida de casa.” Não cortaram em pessoal, mas baixaram um pouco os vencimentos para os aguentar aos quatro, coisas do coração minhoto.

Nesta casa, onde além de petiscos em conta (cinco euros o prato) há mil-folhas fininhos que são a especialidade em termos de pastelaria, não parece haver derrotistas. Pode já ter saído da memória, mas Manuel ainda tem bem vivos os tempos em que o Monte da Caparica era um cenário bem pior: um supermercado de droga na margem sul de Lisboa. “Nunca tive problemas. E hoje não há droga, mas tem havido roubos”, diz. Nos últimos anos foram assaltados duas vezes. “Faz falta polícia, como fazem falta os clientes.” 

Ainda assim, têm sobrevivido e, entretanto, universidades que abriram ali nas redondezas, quer a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Nova quer a Escola Superior de Saúde Egas Moniz, acabam por dar algum movimento à terra, que em tempos terá tido no lugar do café Central uma velha leitaria. Sentem que o negócio começa a melhorar, dentro do possível: nem os estudantes têm muito dinheiro nem a maioria da população, cada vez mais concentrada sobretudo nos bairros sociais que quase nunca aparecem na fotografia do sol da Caparica.

Para Manuel e Laurinda (Sequeira), a praia, este ano, também vai ser miragem. Mas para o ano têm direito a Verão a tempo inteiro – ainda que, quando calha assim, prefiram o mar crispado de Viana. Certo é que se tudo correr bem, no próximo será sorte deles, azar dos Cunha. E quem dera a muitos um vira assim.