Há cada vez mais portugueses que optam por passar férias em casa. Uma das principais razões é financeira. A tendência é confirmada por um estudo, realizado pela Cetelem, que revelou que 41% dos consumidores não estão a pensar em sair de casa e 31% destes admitem que é por questões financeiras.
O i falou com alguns portugueses que estão nesta situação. Ao contrário do que aconteceu em anos anteriores, Raquel Sanches, que trabalha na área da comunicação, vai ficar por casa. A ideia é poupar algum dinheiro nestes dias. “As despesas para férias pesam sempre um pouco, não porque gastemos muito, mas porque efectivamente o orçamento familiar já de si é baixo e qualquer gasto extra é complicado.” “Temos tido a sorte de ir todos os anos passar férias a casa de familiares ou amigos, ou no Norte ou no Algarve, pelo que os gastos são em gasolina, portagens e uma ou outra refeição fora. Em média são 350 euros”, revela ao i.
Com 37 anos e dois filhos, o mais velho de oito anos é que ficou mais desiludido com a decisão familiar que foi tomada este mês e depois de terem pensado ainda ir uma semana para fora para casa de familiares em Agosto. “O meu filho mais velho ficou um bocado triste, pois geralmente onde vamos tem amigos e primos da idade dele para brincar e diverte-se bastante, mas também é compreensivo e percebeu a justificação”, salienta.
É a primeira vez que optam por ficar em casa, mas também é a primeira vez que um dos membros do casal não tem rendimentos fixos. “Ganha de trabalhos que vai fazendo, mas esses trabalhos não aparecem todos os meses”, justifica. Para já, a ideia é irem aproveitar a praia e a piscina que têm perto de casa e conhecer sítios em Lisboa onde nunca vão. O planeamento vai sendo feito dia a dia. “Não gostamos muito de fazer planos, é o que nos ocorrer”, confessa.
Filha quer ajudar André Gomes vive uma situação semelhante, mas ao contrário de Raquel este é o segundo ano consecutivo que o segurança de 31 anos fica por casa. “Em anos anteriores costumava ir para o Algarve ou para Braga, onde temos casa de familiares, mas na hora de fazer contas qualquer deslocação sai cara e quando vamos para fora temos sempre tendência para gastar mais um pouco, nem que seja nas refeições, e ir para fora para nos privarmos de tudo não faz sentido”, diz.
Quem não ficou muito satisfeita com esta decisão foi a filha de quatro anos. “Quando lhe dissemos que íamos passar as férias em casa ficou triste, mas depois de explicarmos porquê ela entregou-nos o mealheiro para ajudar.” Como a põe a par dos problemas financeiras, a filha já se tornou uma criança poupada. “Não quer gastar dinheiro e só gasta dois euros do mealheiro se tiver no mínimo seis”, diz.
André Gomes sabe de antemão que a ideia de ficar perto da Amadora não vai dar a noção de férias. Mas neste momento tem outras prioridades: juntar dinheiro porque a filha vai entrar no infantário em Setembro. “Não há lugar para caprichos, o dinheiro não chega para tudo”, conclui.
Proximidade da praia “Viver em Lisboa tem as suas vantagens”, confessa Pedro Castilho. Este reformado com 69 anos vai pela primeira vez ficar pela capital durante a época de Verão. “O valor da reforma está cada vez mais curto e os hotéis ou casas para arrendar nestes meses saem muito caro.” Por isso mesmo, está a pensar em fazer um roteiro de praias próximas de Lisboa e fazer todas as refeições em casa. “Gasto apenas dinheiro em combustível e nas portagens e ao final do mês vou gastar uma verba extra, mas será sempre muito mais económico do que dormir fora de casa”, refere ao i, acrescentando ainda que neste momento, face às despesas mensais que tem, “seria um disparate sair de Lisboa com praias tão boas e tão perto, quando podemos fazer programas sem sair de casa bem mais baratos”.
Pedro Castilho tinha a hipótese de ir com outros familiares para o Algarve, mas na hora de fazer contas achou que a hipótese de ficar em casa seria sempre mais favorável e a carteira agradece. “Ir hoje ao Algarve já é quase um luxo com o dinheiro que se gasta em portagens e ir pelas nacionais também não é a melhor solução porque desgasta o carro. Não gasto de um lado, gasto de outro.” O reformado da função pública está a ponderar fazer uma viagem só no próximo ano, e mesmo assim admite que tudo depende do que conseguir poupar até Dezembro.
O dinheiro não estica A situação é muito semelhante à de Sofia Ribeiro. Neste momento está desempregada e o “dinheiro não estica”. Ao contrário de anos anteriores, em que ia sempre pelo menos uma semana para o estrangeiro, desta vez a ideia é ir até à praia perto de casa, na linha de Cascais, já que mora no concelho de Sintra. “No máximo posso ir passar um fim-de-semana ao Porto ou ao Algarve com amigos ou familiares, mas só tomo essa decisão depois de saber muito bem quanto é que vou gastar”, confessa.
À procura de emprego, Sofia Ribeiro, com 30 anos, garante que a prioridade agora “é poupar algum dinheiro com o valor que recebe do subsídio de desemprego”. Uma tarefa complicada, de acordo com a mesma, já que a prestação que recebe da Segurança Social é muito baixa, uma vez que quando estava a trabalhar recebia apenas o salário mínimo nacional.
Subsídio é para pagar contas Aproveitar para estar mais tempo com os pais é um dos objectivos de Maria Neves. A técnica de acção educativa alia o orçamento curto à oportunidade de estar mais perto dos familiares e organizar a casa, já que durante o resto do ano é mais difícil. “Viver com o salário mínimo não dá margem de manobra para fazer grandes projectos que exijam gastar dinheiro e ter um filho a cargo ainda torna mais difícil a tarefa de poupar uma pequena parte do ordenado.” Maria acrescenta ainda que, na maior parte dos casos, aproveita o subsídio de férias para regularizar algumas contas ou pagar despesas extra, como a revisão do carro ou o seguro automóvel. Neste momento tem como prioridade a compra de um carro e por isso mesmo “nesta altura todas os gastos supérfluos têm de ser evitados”.
Por morar no centro do país e perto do rio, a técnica de acção educativa com 42 anos acaba por ir alguns dias à praia fluvial. “São planos que não exigem gastar muito dinheiro. Dá para apanhar sol, ir até uma esplanada beber um café ou comer um gelado e ao fim do dia regresso a casa”, salienta.
Mas nem todos tomam estas decisões e também há quem pense ir de férias sem sair do país. Mas a verdade é que também neste caso assistimos a cortes orçamentais. De acordo com o estudo da Cetelem, metade dos portugueses pondera fazer férias fora do local de residência, mais que em 2014 (39%). Só 13% admitem ir ao estrangeiro, a mesma percentagem que em 2014. Em média, os portugueses que tencionam fazer férias em Portugal pensam gastar 631 euros, menos que o ano passado (673 euros). Já no caso das férias no estrangeiro, há também uma menor intenção de gastos que em 2014: 1124 euros contra 1446.