O Presidente da República pode resistir a dar posse a um governo sem apoio maioritário no parlamento (116 deputados no mínimo)? Pode. E até onde pode ir essa posição? Se considerar fundamental a maioria, não há nada na Constituição que o impeça de recusar dar posse a um governo que não a promova. O que pode fazer? Nada, este Presidente está bloqueado e já não pode dissolver o parlamento e convocar novas eleições. E se chegássemos a esse ponto? O actual executivo teria de manter-se em funções até Abril.
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Pode parecer rocambolesco, mas o novelo eleitoral que se avizinha (a julgar pelas sondagens sem sinal de maioria absoluta), coloca todas as cartas em cima da mesa. Sobretudo depois do Presidente da República ter vindo, anteontem, estreitar o caminho pós-eleitoral: ou há maioria, ou há entendimentos para um “apoio maioritário e consistente no parlamento”. Um governo minoritário não é sequer colocado como hipótese.
“A Constituição admite a ideia de um governo de minoria, mas desde que na Assembleia da República não exista oposição a ele”, diz o constitucionalista Gomes Canotilho ao i e até admite que “o esquema de organização” da Lei Fundamental “foi pensado para governos de minoria. O que já vimos é que é um bocado difícil dizer que um governo de minoria tenha sustentabilidade fácil”. Ainda assim, Canotilho acredita “que o Presidente não pode fazer ameaças por que tem limites na dissolução da Assembleia da República”, que é a única saída que o constitucionalista vê no caso de existir “irredutibilidade de todas as partes” e não se chegar a um entendimento para uma maioria. “Não dá posse e faz o quê? Dissolve? Isto é um esquema interminável”, atira.
Mas se for assim? “No limite, se não houver entendimento para um governo de apoio maioritário [e Cavaco Silva rejeitar outra solução], este governo continua em funções até Abril”, responde o constitucionalista Paulo Otero. “Fica seis meses com o governo actual em gestão”, diz também Tiago Duarte. E isto porque este Presidente não pode dissolver e convocar novas eleições: está impedido nos últimos seis meses do seu mandato (em Outubro estará a quatro meses do fim) e nos primeiros seis meses da Assembleia da República (o que é o caso da que será eleita a 4 de Outubro). O líder do PS, numa entrevista em Maio ao site “Observador”, agitou este bloqueio para dramatizar: “Ou dão condições de governação maioritária ao PS ou terão de ver arrastar em agonia a actual coligação, em governo de gestão.”
Nomeação O constitucionalista Tiago Duarte concorda com António Costa – que ontem chamou à eventual recusa em dar posse a um governo minoritário “um novo critério não constitucional” – e diz que “não dar posse a um governo é insustentável”, argumentando mesmo que “a Constituição diz que o Presidente nomeia o primeiro-ministro, não diz que pode não o fazer. Por isso ele tem de nomear”.
A única regra para a formação do governo está no texto fundamental: “O primeiro-ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais”. Paulo Otero acredita que “a Constituição dá margem para o Presidente da República fazer exigências” na formação do governo, já Tiago Duarte diz que a “Constituição não resolve” esta questão e pergunta: “Se o Presidente não pode demitir um governo com o qual discorde, será que pode impedir a entrada em funções de um governo com o qual não concorde?”. Interpretações duplas num capítulo que Canotilho aponta necessitar de intervenção: “Um dos pontos onde a revisão constitucional pode ser importante é na agilização da formação do governo”.
Os constitucionalistas são, no entanto, unânimes num ponto: pode não ser o partido mais votado a formar governo. “OPresidente tem uma dinâmica activa. Tendo em conta os resultados eleitorais, estuda as várias possibilidades e escolhe a que garanta estabilidade”, diz Canotilho que lembra que “o partido mais votado pode não garantir uma coligação que os outros menos votados conseguem”. Tiago Duarte diz que a Constituição, ao sublinhar “tendo em conta os resultados eleitorais”, dá essa flexibilidade” e Paulo Otero ainda adiciona mais um complicador: “Existindo uma eleição sem maioria, haverá um vencedor e um perdedor que é capaz de apresentar a demissão no seu partido, o que vai dificultar hipóteses de entendimento”.