Escreveu alguém que “como consequência da acção […] dos meios de informação, o público é consciente ou ignora, presta atenção ou descuida, sublinha ou passa por cima […] As pessoas tendem a excluir dos seus conhecimentos o que os meios de comunicação excluem do seu conteúdo”. (2)
Ora, na sequência dos últimos textos, em que analisámos os papéis de produtor, vendedor e consumidor das “notícias de justiça”, é interessante anotar algo que também se passa com a venda de qualquer outro bem de consumo ou serviço: se for mesmo apetecível todos os vendedores querem ter o produto para venda… são capazes de pagar para poder vender, esmagando as margens de lucro. Por isso encontramos “donuts” à venda em toda a parte: cafés, estações de serviço, padarias, supermercados, etc. O mesmo se passa com algumas notícias de justiça, que inundam toda a comunicação social, enquanto outras apenas saem em publicações, digamos, “especializadas no escândalo”.
Chegados ao fim da cadeia comercial lá está o público – nós todos, enquanto consumidores de papel higiénico e de notícias de justiça. Público que, mais ou menos arrebatado consoante a capacidade de venda dos vendedores, gera opiniões, muda opiniões, consome e considera bom ou mau de acordo com o que lhe é dito sobre o papel higiénico, mais do que com a resistência ou suavidade do mesmo para a função que lhe é votada.
E daqui é que resultam todos os males da mediatização dos casos de Justiça: obter uma decisão isenta e higienizada em sede de julgamento torna-se extremamente difícil, porque para tanto o julgador tinha que ter estado eximido do lote de consumidores das notícias de justiça.
Pior: quando um caso mediático chega a julgamento, depois de anos de investigações e de notícias na comunicação social, já todos os julgamentos opinativos, sociais, de “mercado” foram previamente feitos por todos os consumidores… todos têm opinião formada sobre o caso.
Atente-se que os meios de comunicação social difundem, comentam, opinam e julgam com muito mais tempo e amplitude do que a Justiça. Chega-se à saturação, com o tempo e aparente profundidade das investigações publicamente difundidas, o que cristaliza as opiniões, num processo estranhíssimo, em que a mais gasosa opinião ganha foros de tese… porque sim!
Ao “informar”, voltar a “informar”, comentar, repetir, analisar, tudo em cada uma das sucessivas fases de cada processo, os media dão ao mesmo uma dimensão muito superior àquela que tem. Amplificam os casos, comparam-nos com outros, aproveitando para “remediatizar” casos já fechados (e muitas vezes em que os factos nem sequer se demonstraram).
Imagine o leitor o efeito psicológico e humano que tudo isto terá naqueles que, de entre os consumidores de notícias de justiça, terão de julgar judicialmente o caso… porque são também juízes!
A isso iremos para a semana, para fechar com chave de ouro.
(1) Extraído de apresentação feita nas “Jornadas sobre Corrupção – Justiça, Comunicação Social e Aspectos Processuais”, Figueira da Foz, 20-06-2015.
(2) D’Adamo, O. J., Carcía Beaudoux, E. y Freidenberg, F., Efectos políticos de los medios de comunicación. Un análisis de la función de establecimiento de la agenda, Psicología política, n. 20, 2000.
Advogado, escreve à sexta-feira