O burburinho e a excitação eram grandes desde a espécie de pré-anúncio da NASA sobre uma descoberta incrível que seria desvendada ontem. O levantamento do véu aconteceu pelas 17 horas de Lisboa, numa conferência de imprensa da agência espacial norte-americana que teve milhões de interessados. Tantos que se tornou impossível para muitos entusiastas e curiosos assistirem ao streaming em directo da Califórnia – e assim saberem em primeira mão que o poderoso telescópio Kepler detectou 500 novos exoplanetas, um deles a 1400 anos-luz da Terra, na constelação do Cisne, que poderá reunir todas as condições para albergar vida.
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Desde Março de 2009, quando o Kepler entrou em funcionamento, os cientistas detectaram mais de mil planetas fora do nosso sistema solar. Mas até hoje nenhum mostrava as condições deste, a que a NASAdeu o nome de Kepler 452b. “Podemos pensar neste planeta como um primo mais velho e maior que a Terra, que abre a possibilidade de entender e reflectir melhor o ambiente em constante evolução do nosso planeta”, disse Jon Jenkins, analista de dados do telescópio no Centro de Investigação Ames da NASA, que liderou esta descoberta.
“É inspirador pensar que este planeta passou 6 mil milhões de anos numa zona habitável da sua estrela, mais longe que a Terra do Sol. É uma oportunidade substancial para albergar vida, se todos os ingredientes necessários e condições para tal existirem nesse planeta.”
Um planeta rochoso como o nosso, onde a gravidade será dupla da nossa, que é 60% maior que o nosso e onde cada ano dura 385 dias. A sua estrela tem a mesma temperatura que o Sol, ainda que seja mais brilhante e tenha um diâmetro 10% maior que o da nossa estrela-mãe.
Cálculos Será importante explicar que, ao contrário das sondas que as agências espaciais enviam para o espaço, o teles-cópio Kepler monitoriza à distância centenas de milhares de estrelas ao mesmo tempo, analisando os níveis de luz que projectam mas sem tirar qualquer fotografia dos corpos detectados noutros sistemas. Quando um planeta passa entre uma estrela e um telescópio, parte da luz “apaga-se”, e é aí que o Kepler consegue perceber a alteração dos níveis de luz. Através deste método, tem sido possível investigadores da NASA como Jenkins descobrirem a existência de exoplanetas (planetas que orbitam estrelas que não o Sol, pertencendo por isso a um sistema planetário distinto do nosso). Até Março de 2014, pelo menos 1779 exoplanetas foram detectados pelo Kepler.
Explicações Ao i, MiguelGonçalves, coordenador da Sociedade Planetária de Portugal, desmistificou a descoberta quase sem precedentes. “A questão que aqui se põe é que estamos um bocadinho mais próximos daquilo que sempre foi a grande ambição, desde que se começaram a descobrir exoplanetas”, explica.
Desde essa altura, os cientistas estiveram sempre à procura de um planeta gémeo da Terra: “que tivesse mais ou menos o mesmo tamanho, que orbitasse uma estrela mais ou menos parecida com o Sol mas a uma distância segura, em que a água estivesse presente à superfície, aquilo a que os cientistas chamam zona de habitabilidade”.
Depois de mais de mil exoplanetas confirmados, a busca não cessou. “Andamos sempre à procura desse planeta, dessa Terra 2.0. O que a NASA veio ontem anunciar foi aquele que mais se aproxima até agora dessa imagem perfeita.” Este é apenas mais um passo para encontrar essa Terra 2.0 e o Kepler 452b é, “até agora, o mais forte candidato”. Mas isto não quer dizer que seja o melhor.
Final mais feliz? À medida que vamos tendo melhores telescópios e técnicas de processamento de dados mais evoluídas, as nossas hipóteses de descobrir exoplanetas ainda mais semelhantes à Terra melhoram. “Apesar de o Kepler já não estar à procura de exoplanetas, compilou muitas enciclopédias de dados em que os cientistas estão neste momento a vasculhar”, explica o astrónomo. E esta é tarefa ainda vai levar muitos anos a concluir.
Os próximos telescópios espaciais para a procura de exoplanetas “vão estar equipados para procurar planetas parecidos com estes que estão no sistema solar: rochosos e relativamente pequenos”, uma vez que, até agora, a tecnologia já existente facilitava apenas a descoberta de planetas muito maiores que a Terra. Para MiguelGonçalves, “adivinha-se que, a qualquer momento, aparecerá o anúncio de outro planeta ainda mais parecido com a Terra que o que foi ontem apresentado”.
Ocientista fala ainda numa parte “romântica” desta história que está a entusiasmar astrofísicos e entusiastas de astronomia em todo o mundo: é que a busca não vai parar por aqui. “No meio de todas aquelas enciclopédias de dados que o Kepler já compilou pode estar ainda perdido à espera de ser descoberto uma ainda mais parecido com a Terra. É a esta corrida que vamos continuar a assistir nos próximos tempos”, remata.