Caminha. Café curto ou café solo? A simpatia deste Central não tem tradução

Caminha. Café curto ou café solo? A simpatia deste Central não tem tradução


No Central de Caminha passa--se do português para o castelhano com muita facilidade.


Numa terra chamada Caminha, há que fazer jus ao nome e estacionar o carro logo à entrada da vila. Antes de seguirmos as indicações que apontam para o centro histórico, é obrigatório parar em frente ao mar e respirar fundo. Isto porque, apesar da temperatura que afugenta os habituados ao calor algarvio, as águas do norte são também famosas pelo “cheiro a mar”, que já não se consegue sentir na maioria das praias do sul.

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Com as baterias carregadas, o caminho leva-nos até à Praça Conselheiro Silva Torres – ou Terreiro, como é conhecida entre os caminhenses. Bem podia servir de montra da vila, tal é a agitação que se sente. E ainda o relógio não marca as 10 da manhã.

À volta de um chafariz construído há mais de 500 anos foi-se erguendo o comércio de Caminha e, actualmente, são sete as esplanadas que ocupam a praça. Apesar de todas estarem razoavelmente cheias, é do Café Central que vem um burburinho que nos indica o caminho a seguir. “É o cafezinho do costume?”, pergunta Zé Carlos, num tom musical característico das terras do Alto Minho. Roda o corpo para a mesa do lado, equilibra a bandeja e recebe a gorjeta. “Muchas gracias mi amor.” Estar a dois passos de Espanha faz com que todas as pessoas falem castelhano “ou arranhem o portunhol”, explica Tomás Capela, que com o sócio Alexandre Fernandes gere há 23 anos um dos cafés mais conhecidos das redondezas.
“Vir a Caminha sem vir ao Central é ficar com a viagem a meio”, garante. Para que não fiquemos com a ideia de que os donos exageram na publicidade, Osvaldo Pereira, cliente há mais de 40 anos, reforça os elogios. “Vai ao Algarve e fala do Central de Caminha e toda a gente conhece, isto garanto-lho eu.” Da clientela do café fazem parte nomes como Durão Barroso, Teixeira dos Santos ou o ex-ministro Santos Silva, todos com casa de férias a norte do país. “Mas também vem cá o sapateiro, o engraxador ou o carpinteiro, temos lugar para todos”, garante Tomás, que gesticula com os braços quase tão abertos quanto o seu sorriso. Mestre na arte de bem receber, conhece quase todos os clientes pelo nome, mesmo aqueles que só vê nos meses em que o calor os traz para uma semana de férias nas praias de Moledo, Âncora ou Afife. Para alguns guarda até umas surpresas especiais. “Quando sei que um cliente faz anos, vou comprar um bolo e apareço de surpresa a cantar os parabéns”, conta. “O sr. Tomás tem boa voz”, ouve-se duma voz envergonhada que chega de dentro do balcão. “Voz de tenor”, completa Tomás sem falsas modéstias. Sabe cantar de tudo, garante, mas tem a riancheira, música tradicional da Galiza, como uma especialidade. “Non te embarques rianxeira, que te vas a marear”, trauteia com um orgulho interrompido apenas por quem já se cansa de ouvir as mesmas músicas todos os dias. “Lá está ele outra vez”, brinca Zé Carlos, em mais um entra e sai de portas. Se a bandeja de Zé chega vazia, apenas com os pedidos em papel que os funcionários gritam entre si, quando sai até se duvida se o pulso que a sustenta pode aguentar tanto peso. “São quatro sumos de laranja, três cafés, um deles em chávena escaldada, dois pingos directos, dois pastéis de nata e três rissóis de camarão.” Ao pedido cantado por Zé ao balcão, os quatro funcionários respondem com gestos rápidos que fazem com que tudo esteja pronto a servir em pouco mais de dois minutos.

Clientes de sempre Osvaldo Pereira, assumido fã do Central, divide a mesa da entrada com Francisco Monteiro, que apesar de ser natural do Porto já se sente um filho da terra. “Toda a vida disse que no dia que me reformasse trocava o Porto por Caminha.” E assim aconteceu há já 15 anos. “É das zonas mais bonitas do país: tem rio, tem mar, tem montanha e tem Espanha aqui ao lado. Que posso pedir mais?” Se calhar, só mesmo o café, mas esse chega à mesa sem ser preciso fazer o pedido, tal é o hábito criado entre clientes e funcionários.
Para ver se o tratamento familiar desta mesa não foi apenas um golpe de sorte, ficamos atentos aos clientes do lado. Vemos chegar um homem com uma pilha de jornais debaixo do braço. Senta-se numa mesa virada para o sol, que está especialmente quente nesta manhã de Julho. Quando o funcionário se aproxima, já traz na bandeja o bolo de arroz, o galão e o sumo de laranja que compõem o pequeno-almoço de todos os dias. “Vir ao Central é como estar em casa. Já sabem o que queremos, tratam-nos pelo nome, é uma maravilha”, exulta o cliente. Apesar do esforço, não consegue disfarçar o sotaque galego que, aliás, se ouve a toda a hora pelas ruas da vila. “Ele é da televisão”, elucida Tomás. “Oh, deixe-se disso”, responde Xosé Manuel Piñeiro, ou deveríamos dizer “Super Piñeiro”? É que, apesar de o chapéu de palha, óculos escuros e chinelo no pé darem um ar de turista ocasional, estamos perante uma das caras mais conhecidas da TV Galicia, apresentador do “Supermartes”, um programa que esteve no ar durante 13 anos e do qual herdou o prefixo. Xosé despede–se com um “até logo” de quem tem encontro marcado à noite para um café e um gin. Tomás acena do fundo da esplanada, já com a atenção virada para uma família que não via desde o Verão passado. É que neste Central todos os clientes são super.

 

Café Central de Caminha

Ano: 1975 
Dono: Tomás Capela e Alexandre Fernandes
Especialidade: Rissol de camarão, 0,80€ a unidade
Preço do café: 0,60€ 
Preço da imperial: 0,80€
Clube de futebol do dono: Benfica, mas os funcionários são todos do FCPorto