Quando Carlos Costa tomou posse, em 2010, era José Sócrates primeiro-ministro e Fernando Teixeira dos Santos ministro das Finanças. Menos de um ano depois tornar-se-ia público que o país estava a um passo do colapso financeiro.
Depois de ter sido resgatado pela troika, Portugal viu alguns dos seus maiores bancos pedirem ajuda para se capitalizarem – com o Banif a ser protagonista de uma ajuda de Estado significativa –, viveu o rescaldo da nacionalização do BPN e assistiu à resolução do BES.
Carlos Costa entrou discretamente, com a atitude que, aliás, caracterizou todo o seu primeiro mandato, e só saltaria para as luzes da ribalta em 2014: no dia 3 de Agosto o governador do Banco de Portugal (BdP) dirigia–se, ineditamente, ao país para anunciar que o BdP ia aplicar uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo (BES). A medida, que nunca antes fora utilizada em qualquer instituição europeia, marcou o mandato de CarlosCosta como nenhum outro episódio ocorrido ao longo dos anteriores quatro anos de governação.
E enquanto se foram sabendo mais coisas sobre o colapso do Grupo Espírito Santo, e consequentemente do BES, as dúvidas sobre a sua recondução foram aumentando. O economista de 64 anos, nomeado por um governo socialista, elogiado pelo governo de Pedro Passos Coelho, sobejamente aplaudido por Maria Luís Albuquerque, segue para mais quatro anos à frente do banco central, mas a escolha não é consensual.
Uma pessoa competente Teixeira dos Santos ficou “satisfeito pela recondução dele”. “Tenho consciência de que depois dos acontecimentos a que assistimos, e olhando para trás, é sempre mais fácil dizer que se devia ter feito isto ou aquilo, que se devia ter intervindo mais, de forma mais incisiva e mais poderosa”, diz ao i o antigo ministro. “Mas recordo que no caso particular do BES, e quando vieram a público os termos da resolução do BdP, esta foi vista como uma intervenção musculada e forte”, e portanto uma intervenção “diferente do tipo que costumava ser feito pelo BdP”, afirma ainda. Quanto a Carlos Costa, em termos pessoais, mantém exactamente a mesma ideia que tinha dele quando o convidou para governador do banco central, há cinco anos. “Conheço o Dr. Carlos Costa há mais de 40 anos e sempre tive dele a imagem – e é esse o meu juízo – de uma pessoa competente, muito ponderada, sensata e de uma integridade a toda a prova. Do ponto de vista pessoal, foram estas razões que em 2010 me levaram a escolhê-lo e a desafiá-lo para o cargo. E este é um juízo relativamente ao qual não mudei a minha opinião”, remata.
Bom para uns, mau para outros Por um lado, há quem aponte a experiência destes quatro anos de crise como uma mais–valia para o governador. Por outro, há quem aponte outros quem acreditam poder exercer melhor a função. É o caso do economista Sandro Mendonça, professor do ISCTE, que começa por avisar que é preciso “darmos conta de que o governador do BdP é provavelmente o mais importante cargo público não eleito em Portugal. E isto implica algumas características muito especiais para os detentores de um cargo a este nível”. Quanto a Carlos Costa, tem dúvidas de que seja o melhor para ocupar o lugar. “O actual governador já teve oportunidades para provar o que tinha a provar. E não provou”, remata, apontando a Costa falhas no que toca às quatro competências que considera necessárias ao ocupante da governação do banco central: “conhecimento, independência, competências de gestão e hábitos de transparência”.
“É possível ter vários argumentos racionais que nos levam a lamentar que o processo não tenha sido outro. É preciso uma convocatória dos melhores entre nós. Certamente não são apenas do próprio sector, não são apenas políticos e não são apenas nacionais”, sublinha o economista.
Já o economista Octávio Teixeira defende, em declarações ao i, que Carlos Costa “nem se deveria ter disponibilizado” para um segundo mandato. “Julgo que foi uma escolha que não devia ter existido pela actuação que teve na supervisão bancária e sobretudo no caso BES”, nota o antigo líder parlamentar do PCP. E chama a atenção para o facto de Carlos Costa não acolher também a preferência, e tão-pouco a aceitação das bancadas mais à esquerda do parlamento. Se houver mudança de cor política no próximo executivo, “não vai ser fácil. O governo vai sempre olhar de lado para quem foi escolhido contra a sua vontade”, nota o especialista. E a quem aponta a experiência de Carlos Costa como uma potencial mais-valia para os próximos anos responde: “Só se estivermos à espera de mais resoluções!”
Para João César das Neves, Costa é o homem certo para ficar no cargo. “ Carlos Costa enfrentou algumas das mais difíceis decisões na política monetária portuguesa. A sua actuação é fácil de criticar, mas é difícil fazer melhor”, afirmou em declarações ao i. “Claramente o nosso banco central não estava preparado para a crise que rebentou em 2008, como aliás a maioria dos bancos centrais do mundo. O sistema tinha e tem fortes fragilidades que o banco central tolerou demasiado tempo. Perante isso, o banco reagiu com capacidade e rapidez. Podem-se assacar-lhe vários erros, mas em geral o balanço parece-me positivo.” Por isso mesmo, continua, “o segundo mandato será talvez mais difícil, porque ainda há problemas importantes, e agora ele não pode dizer que a culpa é dos antecessores. Foi escolhido”, pensa o economista, “precisamente por estar a par desses problemas, preferindo-se uma mão experiente a alguém que teria de se familiarizar com um panorama complexo”, continua o professor da Universidade Católica Portuguesa.
“Acho que ele terá aprendido com a crise”, afirmou, por seu lado, JoãoDuque ao i. Mas espera “que haja ajustamentos na casa no que respeita à supervisão”. E diz que apesar de ter “alguma simpatia por Carlos Costa”, acha que ele “é vítima de desempenhar uma função de supervisão”, que traz sempre uma quantidade de anticorpos inevitáveis. E sobre a crispação das divergentes opiniões sobre CarlosCosta, agravadas pelo caso BES, o economista avisa que ela “não põe em causa a qualidade técnica de cada pessoa”.
Sandro Mendonça defende também que “o que não falta em Portugal são pessoas que, no seu currículo, dão sinais de que poderiam exercer” o cargo de governador do BdP “ao mais alto nível: João Ferreira Amaral, Bagão Felix, Eduardo Paz Ferreira e Manuela Ferreira Leite. Para falar em quatro”, diz o professor do ISCTE. “Perdeu-se uma oportunidades de dar um exemplo de como estamos à altura dos tempos”, conclui.
Já Teixeira dos Santos salienta o momento de “exigência acrescida” que se vive na Europa como o ideal para Costa continuar o bom trabalho. “Avalio positivamente o trabalho que fez em todo o mandato e acho que tem condições pessoais. E o quadro europeu actual é um quadro favorável a que possa fazer um bom trabalho e reforçar algumas iniciativas que entretanto foram lançadas. Principalmente de uma supervisão mais activa e interventiva. No quadro da união bancária há aqui um nível de exigência acrescido”, sublinha.
O governador, esse, mantém-se em silêncio sobre a recondução. Contactada pelo i, fonte oficial do BdP remeteu para as palavras que Costa proferiu no seu discurso de tomada de posse, onde, resumidamente, alertou para o desafio de uma supervisão mais interventiva, sem cair “na ilusão de que as instituições são virtuosas e assentam em valores e princípios que visam o equilíbrio dos diferentes interesses em presença, e sobretudo o interesse geral”.