A figura. Marcelino Silva

A figura. Marcelino Silva


Engraxar sapatos a troco de 5 tostões e muitas histórias


Dos seus 82 anos, quase 80 foram passados a deixar os sapatos dos outros num brinco. Marcelino montou posto em frente ao Café Central de Avanca, aproveitando as entradas e saídas de outros tempos para angariar mais um cliente.

“Isto antes era um movimento que nem imagina”, conta. Problemas de coração obrigam-no a falar devagar e a respirar profundamente para ganhar fôlego até à próxima história. Parece que o ar se torna ainda mais pesado para Marcelino quando recorda a infância “de muita fome” e de “mão estendida” para sobreviver. “O pessoal moderno diz que o pior é agora, mas é o agora deles, sabem lá como era a vida noutros tempos.”

Cobrava cinco tostões por engraxadela e clientes não faltavam nos sete dias da semana que se sentava no banquinho do seu posto de trabalho. Mais recentemente, a falta de procura fazia com que viesse só aos domingos e era raro engraxar mais que dois pares de sapatos por dia. “Agora, as pessoas andam com umas alpercatas sem jeito nenhum”, lamenta.

Mas o ar cansado de Marcelino transforma-se em energia quando lembra o café de outros tempos. Ajeita-se na cadeira, peito aberto, e começa a relatar com os olhos de quem viu tudo acontecer sentado na primeira fila. “Havia aqui noites que isto nem fechava.

Era fados, televisão ligada no futebol com as pessoas amontoadas onde havia espaço para sentar, noites de bingo, de cartas e de bilhar. Uma animação.” Agora, Marcelino prefere ser espectador duma animação cada vez mais rara. “Venho cá tomar a minha cevadinha e vou-me embora.”

Apesar do pouco tempo que passa no café, a sua chegada é notada por todos. “Olha o senhor Marcelino!”, ouve--se na esplanada. “Sente-se aqui e conte uma história das suas.”