O esquema era quase sempre o mesmo. Quando Carla e Ricardo atendiam pessoas endividadas no escritório, em Oeiras, propunham que contraíssem um empréstimo à habitação. Com o dinheiro que recebiam da banca, compravam uma casa que estivesse à venda por um valor inferior ao da avaliação e com o remanescente pagavam as dívidas.
Entre o último semestre de 2009 e Setembro de 2012, o casal – condenado na semana passada a dez anos de prisão efectiva – conseguiu enganar pelo menos sete pessoas: em vez de liquidarem os créditos, ficavam com o dinheiro dos novos empréstimos. E houve casos, como o de Maria e de António, em que além de dinheiro perderam a casa onde viviam.
O acórdão do Tribunal de Sintra, a que o i teve acesso, conta como Carla e Ricardo abriram a empresa de consultoria financeira em 2007. Até 2011 a firma terá funcionado normalmente. De tal forma que quase todos os clientes lesados chegaram ao escritório por recomendação de amigos que por lá tinham passado e tinham conseguido reestruturar e liquidar créditos.
Foi através de uma recomendação que Maria, uma empregada de limpeza com dez créditos pessoais no valor de cerca de 50 mil euros, foi parar à empresa. Carla sugeriu-lhe que arranjasse um fiador para pedir um novo empréstimo, de 15 mil euros, para pagar as prestações dos créditos que estavam a vencer. Além disso aconselhou-a a fazer uma segunda hipoteca da casa onde vivia e que estava praticamente paga ao banco (faltavam 10 mil euros).
Em Novembro de 2010, Maria assinou aquilo que achava ser a escritura da segunda hipoteca, para contrair um novo empréstimo, mas estava na realidade a assinar uma escritura de compra e venda da própria casa. Para que não desconfiasse, o casal encontrou um comprador através de uma imobiliária do Funchal e que não poderia estar presente na escritura. “Para evitar conversas”, acredita o tribunal.
Maria só veio a saber que tinha perdido a casa meses mais tarde, quando o senhorio a contactou para avisar que se esquecera de pagar uma prestação ao banco. Foi assim que descobriu que era só arrendatária e que a casa tinha sido vendida com um contrato de arrendamento subjacente. Com o negócio, Carla e Ricardo lucraram 22 587 euros e não chegaram a pagar a totalidade das dívidas da cliente: liquidaram só 6200 euros. Maria ficou com os créditos iniciais e está a pagar os 15 mil euros ao fiador. Perdeu a casa, declarou-se insolvente e está a ser seguida por um psiquiatra.
o dinheiro do PPR Luís e os pais perderam 62 100 euros. Precisavam de ajuda para reestruturar quatro créditos de cerca de 53 mil euros e Carla sugeriu que pedissem um empréstimo de 30 mil euros para pagar a totalidade das dívidas. O casal de burlões não só ficou com esse dinheiro, como ainda conseguiu os PPR da família e uma indemnização de trabalho que a mãe de Luís tinha recebido. E a história de João, que já estava na lista de incumpridores do Banco de Portugal, não é muito diferente. Quando contactou a empresa tinha prestações de créditos para pagar no valor de 2 mil euros por mês e no fim de tudo ficou com as dívidas e sem 23 615 euros. Carla e Ricardo chegaram a comprar uma casa com um empréstimo de 84 mil euros, contraído em nome de um irmão de João, mas os créditos iniciais nunca foram liquidados e parte do imóvel não foi pago. Entretanto o casal deixou de atender o telefone e emigrou para o Reino Unido.
vender a casa Antes de partirem ainda enganaram António, que estava com dificuldade em pagar 171 mil euros de um crédito à habitação e uma dívida de mais de 56 mil euros em cartões de crédito. Convenceram-no a vender a casa, uma moradia de dois andares. Com esse dinheiro poderia pagar o crédito ao banco e as restantes dívidas. António conseguiu fazer a venda por 250 mil euros, mas Carla e Ricardo só liquidaram, com esse dinheiro, 2 mil euros dos créditos iniciais. E apresentaram sempre comprovativos forjados de transferências para as empresas de crédito – que nunca chegaram a acontecer. No total, concluiu o Tribunal de Sintra, os burlões apoderaram-se de 77 mil euros. António ficou sem casa e foi declarado insolvente.
Outra das vítimas, Mariana, perdeu 17 mil euros e o casal chegou a contrair um empréstimo sem que ela soubesse. Para que não desconfiasse, criaram um email com o seu primeiro e último nome, para onde o banco enviava os extractos do crédito. Em todos os casos, Carla e Ricardo convenciam os clientes a cederem cadernetas das contas, pins do homebaking, procurações ou cheques em branco assinados. Diziam que era para tratar das movimentações dos créditos, mas na realidade foram usados para transferir dinheiro para as contas do casal.
Nas alegações finais, o Ministério Público pediu dez anos de prisão efectiva para o casal de burlões e o colectivo de juízes concordou. Provou-se que Carla e Ricardo se aproveitaram de “pessoas simples” e “com parcos conhecimentos a nível bancário” para desviar dinheiro. Foram condenados por sete crimes de burla qualificada, um de falsidade informática, um de burla informática qualificada e um crime de falsificação de documentos. Confessaram o esquema e Ricardo contou que a empresa estava a atravessar “dificuldades financeiras”. Já Carla admitiu aos juízes que foi tudo “uma bola de neve”.
Além dos dez anos de cadeia a que foram condenados, terão de indemnizar as vítimas em mais de 200 mil euros.