A figura. Zé Chalaró

A figura. Zé Chalaró


A memória ambulante de Alfarim


Nem tudo o que Zé “Chalaró” sabe vem nos livros, mas ele bem os devora, e não perde oportunidade para falar da terra que o viu nascer há 72 anos. Do pai herdou histórias e o nome. Antigamente havia muitas alcunhas na aldeia e o pai costumava guardar bezerros com um irmão conhecido por “Espreita-o-Mocho” (o mocho era um bode).

Uma das brincadeiras era mandarem canas ao ar a fazer de foguetes e o pai era exímio no som entoando uns “trolaralós” – ficou por isso Chalaró. O filho tem conversa e vida para encher muitos livros. Quando o encontramos em Alfarim faz 60 anos do dia em que fez o exame da quarta classe em Sesimbra. Foi de camisa azul e braçadeira preta.

E quando a professora perguntou quem tinha morrido respondeu sem vergonhas:“A mulher do meu pai”, que o pai tinha outra além da sua mãe e não casou com nenhuma. Mas fez questão de mandar todos os filhos estudar. Nesse dia os tostões que lhe deu para voltar de camioneta gastou-os num bolo de arroz, coisas que não se esquecem. E fez os 10 km de regresso a pé.

A aldeia pode parecer atrasada mas nunca foi, garante Zé. É a única do concelho com capela e foi das primeiras a ter escola, em 1906. Na implantação da República resistiram a arrear a bandeira da monarquia: eram os nobres que lhes davam trabalho. Quando lhes vieram pedir contas, bateram o pé e ficaram “terra de independentes”, para não melindrar ninguém.

Muitos dizem que são pagãos, que celebram o Natal a 26, quando a data é festejada porque os dias começam a crescer, bom prenúncio para as colheitas. Se os acharem sossegados, dêem--lhes um desconto: o alfarinheiro pensa sete vezes antes de falar. Zé Chalaró deve pensar muito para o depressa que fala, mas é uma delícia como os doces da Mariana.