Maria João Rodrigues. “A Europa colocou  a Grécia numa casa  de correcção”

Maria João Rodrigues. “A Europa colocou a Grécia numa casa de correcção”


A eurodeputada diz que Tsipras cometeu um “erro trágico” quando não deu margem a uma nova proposta que os socialistas tentavam negociar nos bastidores. O telefonema a Merkel foi fatal.


Maria João Rodrigues é deputada eleita pelo PS ao Parlamento Europeu e, na qualidade de vice-presidente do grupo socialista e social-democrata do Parlamento Europeu, acompanhou a par e passo nos bastidores as negociações com a Grécia. “A Europa tratou a Grécia como se fosse um caso disciplinar. Colocou a Grécia numa ‘casa de correcção’ violenta”, diz Maria João Rodrigues. O acordo com a Grécia “abre uma página nova na União Europeia. Os responsáveis políticos vão ter de arrepiar caminho sob pena de os cidadãos acharem que, se é para ser assim, mais vale regressar à Europa das nações”. Maria João Rodrigues acha que “a forma como as decisões foram tomadas neste caso, ignorando toda a dimensão simbólica da construção europeia, é confrangedora e revoltante”. 

A socialista acredita que “na semana dramática” – como lhe chama – era possível chegar-se a um acordo muito melhor com a Grécia. “Houve um retomar das negociações”, conta ao i, “que estavam fechadas desde que Tsipras apelou ao referendo.” “A razão principal pela qual as negociações foram reabertas foi porque os socialistas e sociais–democratas o exigiram. Na quarta-feira de manhã havia uma solução em cima da mesa que era melhor do que a que tinha saído do Conselho Europeu e que tinha uma solução para a dívida”, afirma Maria João Rodrigues, que telefonou logo a Dragasakis, n.o 2 do governo grego. A ideia era contactar Hollande e tentar “arranjar condições para convencer a Alemanha”. 

“Ao fim da manhã de quarta--feira tínhamos esperança de que se pudesse obter uma solução. Qual não é a nossa surpresa quando vemos Tsipras a discursar anunciando que não havia solução nenhuma!”, diz Maria João Rodrigues, considerando aquele momento “a encruzilhada histórica da Grécia”. 

Enquanto Dragasakis afirmava à dirigente socialista “que os gregos estavam interessados na solução” e que “nessa circunstância seria mantido o referendo, mas usado para ratificar a nova solução”, Tsipras falava com Angela Merkel ao telefone, que lhe garantia que não iria dar mais passos antes do referendo. E depois de falar com Merkel, Tsipras radicalizou em defesa do “não” no referendo, o que, segundo Maria João Rodrigues, “foi um grande erro na forma de lidar com as forças mais conservadoras da Alemanha”. “Tsipras foi de uma imensa inocência. Não percebeu que Merkel estava a jogar no cálculo de que o ‘sim’ ganharia e estava interessada em usar o referendo para provocar o afastamento de Tsipras.”

“Erro capital” de Tsipras
O “erro capital” de Tsipras, segundo a deputada socialista, foi “telefonar a Merkel” em vez de “consolidar o apoio dos seus aliados”. “Um erro que pagou muito caro porque o pacote aprovado é muito pior que este que íamos tentar negociar e o que foi aprovado no Conselho Europeu.” E daí “passou-se do drama à tragédia”. 

Maria João Rodrigues não tem dúvidas em afirmar que toda a tentativa de introduzir mais democracia na União Europeia “foi violentada no fim-de-semana trágico”, a 11 e 12 de Julho, quando foi aprovado o terceiro resgate à Grécia, no Eurogrupo e depois numa cimeira de líderes da zona euro. A deputada regista “grandes diferenças de posições dentro da família social-democrata”, dando como exemplo o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem. E o facto é que, depois de colocado a circular o texto com o cenário do Grexit, “por pressão tremenda de Schäuble, com a resistência de vários ministros, conseguiram aprovar um documento” acrescentando “uma série de coisas que tornaram o programa muito mais pesado e que dificilmente permitirão uma recuperação à Grécia”. 

Pior: “A cimeira da zona euro aceitou pronunciar-se sobre este documento, com a Comissão Europeia marginalizada, e depois de uma discussão violentíssima chegou-se ao acordo que se conhece, que é mau.” Para a dirigente, foi “um xeque-mate organizado por Schäuble via Merkel, que acabou por ceder”.

A vice-presidente do grupo socialista e social-democrata considera que o programa aprovado é de “extrema violência”, tendo sido incorporadas “a liberalização dos despedimentos, o corte de pensões, incluindo das mais baixas, e o fim da contratação colectiva”.