Lava Jato. Negócios em Portugal não escapam à investigação

Lava Jato. Negócios em Portugal não escapam à investigação


Algumas construtoras envolvidas na Operação Lava Jato também têm ligações a Portugal.


A investigação já chegou a Portugal e o procurador Rosário Teixeira e a Autoridade Tributária estão a averiguar as relações entre o ex-primeiro-ministro José Sócrates e a Odebrecht no âmbito da Operação Marquês. A esta informação, que o i avançou em Janeiro, em breve poderão juntar-se outras, dadas as ligações que existem entre as entidades envolvidas na Operação Lava-Jato no Brasil e empresas portuguesas.

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Os brasileiros da Odebrecht são os donos da Bento Pedroso Construções, a empreiteira que integrou uma série de consórcios vencedores de obras públicas ao longo dos mandatos de José Sócrates enquanto primeiro-ministro. A Bento Pedroso Construções – que só em 2013 passou a chamar-se Odebrecht Portugal – integrou, entre outros, o Consórcio Elos, ganhador da construção do troço do TGV entre o Poceirão e Caia. Deste consórcio também fazia parte o Grupo Lena, do qual foi administrador Carlos Santos Silva, agora suspeito de ser testa-de-ferro de Sócrates.
Fundada em 1953, a Bento Pedroso Construções foi adquirida pela Odebrecht há 27 anos. Muito antes do dia negro de 19 Junho de 2015 em que, como Sócrates, foram presos preventivamente os donos das duas das maiores construtoras do Brasil, Marcelo Odebrecht e Otávio Azevedo – o empresário que comanda um universo de empresas com negócios nas áreas de construção civil (Andrade Gutierrez), das telecomunicações, do saneamento, das concessões rodoviárias e energia com actividade em mais de 30 países.

Marcelo Odebrecht é considerado um dos 60 homens mais poderosos do Brasil e está há apenas cinco anos à frente de um dos maiores grupos do país, o Odebrecht – um dos maiores accionistas da Oi, dona da antiga Portugal Telecom. Ontem o empresário foi ouvido a propósito de um bilhete com a mensagem “destruir email sondas”.

A Odebrecht era uma das empresas bombardeadas por patrocinar as viagens do ex-presidente Lula ao exterior. Marcelo representa a terceira geração de uma das mais importantes dinastias empresariais do país, neto do fundador, Norberto Odebrecht, que fundou o grupo em 1944 e o comandou por quase meia década. A sua entrada na empresa deu-se pelos canteiros de obra. Em 1992, depois de concluir o curso de Engenharia, foi trabalhar na construção de um prédio em Salvador e dois anos depois andava entre os tapumes de uma hidroeléctrica em Goiás.

Foi depois de ir para Inglaterra e de um mestrado do International Institute for management Development, em Lausanne, na Suíça, que teve seu primeiro grande teste: desembarcou na área petroquímica a meio de um processo de consolidação do sector, liderado pela própria Odebrecht. A chegada de Marcelo Odebrecht à presidência da construtora representa um ponto de viragem na sua trajectória e na do grupo. 

Camargo Corrêa Os brasileiros da Camargo Corrêa, outra das empresas de construção implicada na operação Lava-Jato, também estão em Portugal e aqui as ligações estendem-se, por exemplo, à Cimpor, empresa cotada, ou ao ex-ministro Armando Vara (ver peça lateral), que foi, até 2014, responsável pelo negócio em África.

Há pouco mais de três anos (20 de Junho de 2012), a Camargo Corrêa passou a deter 94,81% do capital da Cimpor, depois da OPA – oferta pública de aquisição lançada pela sua subsidiária InterCement.

O anúncio sobre o êxito da operação feito pelo presidente da InterCement, José Édison Barros Franco, que acrescentou na altura que o controlo da Cimpor fazia parte da estratégia da empresa há anos: “É um dia muito especial para Intercement e creio que também para a Cimpor e para Portugal. Este controlo era parte determinante da estratégia definida pela nossa companhia.”

Mas a operação gerou resistências e idas ao parlamento e pedidos de explicações vindos de todos os quadrantes. A pergunta era quase sempre a mesma: o que levou a Caixa Geral de Depósitos a vender a sua participação de 9,58% a 5,5 euros por acção?

O banco público comunicou à CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários a decisão de “vender a participação” e considerou o preço oferecido pela Camargo Corrêa “aceitável”, encaixando a operação no processo de desalavancagem e centralização no negócio do banco, obrigado pelo Memorando da troika a vender as participações não financeiras.

Mas outras dúvidas havia que obrigaram os administradores da Caixa Geral de Depósitos a comparecer perante a comissão parlamentar de Economia para responder a novas questões dos deputados, em particular do independente da bancada socialista Basílio Horta. “Ainda tinha esperanças de que fosse possível haver uma revisão do preço por parte do oferente”, declarou Faria de Oliveira, então presidente da CGD.

Mas muitos acreditam que a CGD negociou a venda da sua posição na Cimpor com a Camargo Corrêa antes de a OPA ser formalmente anunciada e que com isso Portugal perdeu a oitava cimenteira do mundo. Os responsáveis da InterCement, no entanto, garantiram sempre que a sede da empresa seria mantida em território nacional, embora “com o acordo de repartição de activos”, a dimensão dos negócios da Cimpor devesse ficar “substancialmente mais pequena”. Da mesma forma, “a arrecadação fiscal por parte do Estado” também será menor, num corte de cerca de 80 milhões de euros anuais, segundo contas feitas à data da operação.

Hoje a Cimpor tem como presidente do conselho de administração (sem funções executivas) o advogado Daniel Proença de Carvalho, que durante vários anos foi o principal representante legal de José Sócrates e no mês passado deixou por completo a defesa do antigo primeiro-ministro. A iniciativa de abandonar o caso partiu de Proença de Carvalho, que disse ao jornal “Público” que “não fazia sentido estar a representar o engenheiro José Sócrates só nestes processos cíveis […] além disso estes processos têm alguma relação com a vida que o engenheiro José Sócrates tinha em Paris”.