Sou uma snob dos festivais de Verão, tal como sou das salas de cinema ou das praias bonitas. Não tenho orgulho nenhum nisto, mas há poucas coisas que me revolvem as vísceras como ter de partilhar o mesmo espaço com alguém que tanto podia estar ali como noutro sítio qualquer.
Se duas pessoas muito altas se põem entre mim e o concerto que quero ver, e por ali ficam a conversar aos berros e a ignorar o palco, sinto-me como quando, na carruagem do metro cheia, alguém se lembra de encostar todo o seu tronco ao único poste a que as restantes pessoas se poderiam agarrar. Há quem chegue mesmo a comprimir alegremente os costados contra os nós dos dedos que já lá estavam desde o Marquês de Pombal, e nada as demove.
O mesmo se aplica a quem fala alto durante os trailers no cinema (para não dizer durante o filme), chega atrasado à sessão ou fica especado à frente do ecrã, de pé, durante os créditos finais. E a quem leva rádios e bolas para praias sossegadas e, por mais espaço que haja, fica em cima dos outros. Provavelmente com medo de se aborrecer daquela natureza toda, vendo-se obrigado a espremer as borbulhas de umas costas ou a desencravar pêlos de umas virilhas.
Há malta que se transforma quando está no meio de uma multidão. Que leva demasiado a sério aquele cliché de que a vida é um palco e acha que qualquer turba é plateia. Cuja existência só é legitimada pela existência alheia. É uma espécie de “já que aqui estão, olhem para mim, a pessoa mais importante da minha vida”. Eu faço o que eu quero. Quem está mal mude-se. O ar é de todos. Estas pessoas acreditam desesperadamente que, se forem uma árvore e caírem sem ninguém por perto, não se ouve nada.
Nas redes sociais passa-se o mesmo, mas é mais fácil eliminar quem incomoda. Se isso acontecesse na vida real, já tinha desamigado todos os que não se desviam da entrada do metro para os outros saírem mais os que não se desviam da frente dos palcos para os outros curtirem.
Está muito na moda dizer que os grandes festivais urbanos estão cheios de betos e pessoas que vão para ali como se fossem para a feijoada da “Caras”. Isso não me incomoda nada se gostarem muito do cartaz e não me chatearem. Se não, é melhor para todos que se deixem estar na zona VIP, que é uma espécie de área recreativa onde se deixam as pessoas que gostam de ir a festivais para não ver concertos.
Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado