Os sons que os políticos não escutam


É preciso uma mudança no fazer política em Portugal. Os grandes partidos democráticos ou encontram novos protagonistas que ajudem na mudança da cultura instalada ou acabarão por ser substituídos.


Conta-se que um imperador japonês, preocupado com o avançar dos anos e a sorte do seu povo, entregou o seu jovem filho ao conselheiro mais sábio da corte para o educar com vista à sucessão. 

O sábio conselheiro falou com o príncipe e, como primeira lição, mandou–o ir para a montanha, com instruções de só regressar quando conhecesse todos os sons da floresta. 

Passados uns tempos, o príncipe regressou e foi à presença do sábio relatar os sons que aprendera: o estrondo do ribombar do trovão, o fragor dos grandes terramotos, o rugido das feras na floresta e o estrépito dos rios caudalosos, entre outros ruídos mais ou menos graves e estridentes. 

O sábio apreciou a sabedoria do príncipe, mas mandou-o de novo para a floresta, pois havia ainda muitos mais sons a registar.

Redobrou de trabalhos e cuidados o príncipe, de forma a regressar o mais cedo possível ao palácio, habituado que estava ao conforto da corte. E quando novamente se apresentou ao sábio, já conhecia mais sons: o sibilar do vento na copa das árvores, o ciciar dos pássaros nos ninhos, o vagido da cria acabada de nascer, o cachoar da água na pequena torrente.

O sábio conselheiro apreciou o progresso, mas mandou-o de novo para a floresta, porque ainda não conhecia muitos daqueles sons imprescindíveis para ser um bom imperador. 

Retornou o príncipe à montanha e aplicou-se denodadamente na tarefa de escutar e aprender, sempre na mira de regressar depressa à corte. 

Começou então a distinguir a vibração do voo das borboletas, o ténue murmúrio das plantas a crescer, o bulício da gota de água caindo de folha em folha ou o leve rumor do grão de semente a germinar na orla da floresta. E muitos, muitos mais sons, que no início nem qualquer ouvido afinado conseguiria sequer imaginar.

Voltou então ao palácio e relatou minuciosamente os novos sons que conhecia. O conselheiro mais sábio da corte ouviu-o com toda a atenção. 

E logo, depois de um aceno de satisfação, fez uma vénia profunda ao príncipe seu discípulo, ao mesmo tempo que dizia ao imperador: “Meu senhor, o vosso filho está preparado para governar este vasto império.” “Mas porquê?”, perguntou o príncipe. “Porque já sois capaz de ouvir o não audível, de perceber o imperceptível, e assim estais preparado para escutar os anseios mais profundos do vosso povo.” 

Julgo que a história encerra uma enorme lição para os nossos políticos e todos os políticos dos nossos tempos.
 É que, nos tempos que correm, eles só estão preparados para ouvir os grandes ruídos: o estrondo das manifestações, o fragor das greves dos serviços públicos, o estrépito das corporações que detêm o efectivo comando das infra–estruturas básicas, o ribombar de quem tem o poder de perturbar ou o eco longo de quem pode dar ou retirar votos. Os desejos profundos das populações não são escutados, muito menos apercebidos, no meio do vozear infrene em que os políticos se movem e tantas vezes promovem. 

É preciso uma mudança no fazer política em Portugal. Os grandes partidos democráticos ou encontram novos protagonistas que ajudem na mudança da cultura instalada ou acabarão por ser substituídos. Eles devem ser os primeiros interessados numa reforma do sistema eleitoral que imponha a escolha dos melhores, e não de nomenclaturas volúveis, ao sabor dos chefes que apareçam a cada momento. 

Novos protagonistas que, juntos àqueles que já deram provas de dedicação à causa pública e existem em todos os partidos, sejam capazes de formular as melhores políticas e de entender que as melhores políticas raramente são aquelas que as corporações se habituaram a exigir com o habitual estrondo. 

Economista e gestor 
Subscritor do manifesto Por uma 
Democracia de Qualidade

Os sons que os políticos não escutam


É preciso uma mudança no fazer política em Portugal. Os grandes partidos democráticos ou encontram novos protagonistas que ajudem na mudança da cultura instalada ou acabarão por ser substituídos.


Conta-se que um imperador japonês, preocupado com o avançar dos anos e a sorte do seu povo, entregou o seu jovem filho ao conselheiro mais sábio da corte para o educar com vista à sucessão. 

O sábio conselheiro falou com o príncipe e, como primeira lição, mandou–o ir para a montanha, com instruções de só regressar quando conhecesse todos os sons da floresta. 

Passados uns tempos, o príncipe regressou e foi à presença do sábio relatar os sons que aprendera: o estrondo do ribombar do trovão, o fragor dos grandes terramotos, o rugido das feras na floresta e o estrépito dos rios caudalosos, entre outros ruídos mais ou menos graves e estridentes. 

O sábio apreciou a sabedoria do príncipe, mas mandou-o de novo para a floresta, pois havia ainda muitos mais sons a registar.

Redobrou de trabalhos e cuidados o príncipe, de forma a regressar o mais cedo possível ao palácio, habituado que estava ao conforto da corte. E quando novamente se apresentou ao sábio, já conhecia mais sons: o sibilar do vento na copa das árvores, o ciciar dos pássaros nos ninhos, o vagido da cria acabada de nascer, o cachoar da água na pequena torrente.

O sábio conselheiro apreciou o progresso, mas mandou-o de novo para a floresta, porque ainda não conhecia muitos daqueles sons imprescindíveis para ser um bom imperador. 

Retornou o príncipe à montanha e aplicou-se denodadamente na tarefa de escutar e aprender, sempre na mira de regressar depressa à corte. 

Começou então a distinguir a vibração do voo das borboletas, o ténue murmúrio das plantas a crescer, o bulício da gota de água caindo de folha em folha ou o leve rumor do grão de semente a germinar na orla da floresta. E muitos, muitos mais sons, que no início nem qualquer ouvido afinado conseguiria sequer imaginar.

Voltou então ao palácio e relatou minuciosamente os novos sons que conhecia. O conselheiro mais sábio da corte ouviu-o com toda a atenção. 

E logo, depois de um aceno de satisfação, fez uma vénia profunda ao príncipe seu discípulo, ao mesmo tempo que dizia ao imperador: “Meu senhor, o vosso filho está preparado para governar este vasto império.” “Mas porquê?”, perguntou o príncipe. “Porque já sois capaz de ouvir o não audível, de perceber o imperceptível, e assim estais preparado para escutar os anseios mais profundos do vosso povo.” 

Julgo que a história encerra uma enorme lição para os nossos políticos e todos os políticos dos nossos tempos.
 É que, nos tempos que correm, eles só estão preparados para ouvir os grandes ruídos: o estrondo das manifestações, o fragor das greves dos serviços públicos, o estrépito das corporações que detêm o efectivo comando das infra–estruturas básicas, o ribombar de quem tem o poder de perturbar ou o eco longo de quem pode dar ou retirar votos. Os desejos profundos das populações não são escutados, muito menos apercebidos, no meio do vozear infrene em que os políticos se movem e tantas vezes promovem. 

É preciso uma mudança no fazer política em Portugal. Os grandes partidos democráticos ou encontram novos protagonistas que ajudem na mudança da cultura instalada ou acabarão por ser substituídos. Eles devem ser os primeiros interessados numa reforma do sistema eleitoral que imponha a escolha dos melhores, e não de nomenclaturas volúveis, ao sabor dos chefes que apareçam a cada momento. 

Novos protagonistas que, juntos àqueles que já deram provas de dedicação à causa pública e existem em todos os partidos, sejam capazes de formular as melhores políticas e de entender que as melhores políticas raramente são aquelas que as corporações se habituaram a exigir com o habitual estrondo. 

Economista e gestor 
Subscritor do manifesto Por uma 
Democracia de Qualidade