Foi aprovado em reunião plenária da Assembleia da República, no início de Julho, aquele que virá a ser o novo regime que regula a disponibilização e a utilização das plataformas electrónicas de contratação pública, previstas no Código dos Contratos Públicos (CCP), no qual o legislador aproveita para transpor algumas normas decorrentes da nova geração de directivas comunitárias relativas aos contratos públicos. Aguarda-se agora a promulgação pelo Presidente da República e posterior publicação em Diário da República, que entrará em vigor 60 dias após a respectiva publicação.
Desde a entrada em vigor do CCP, em 2008, as plataformas electrónicas ganharam um papel muito expressivo no contexto da contratação pública. O relacionamento entre a administração pública e os operadores de mercado interessados em responder a procedimentos pré-contratuais levados a cabo para a celebração de contratos – cujo objecto abranja prestações como empreitadas de obras públicas, locação ou aquisição de bens móveis ou aquisição de serviços – passou a decorrer electronicamente nessas plataformas, da apresentação da proposta à notificação da decisão de adjudicação da melhor proposta.
A alteração em via de ser agora operada surge na sequência de um relativamente longo e participado – mais do que é habitual – período de debate, em que as diversas partes interessadas, por exemplo reguladores, autoridades governamentais ou associações representativas do sector tiveram a oportunidade de se pronunciar acerca das alegadas virtudes e fraquezas da proposta de lei apresentada.
Importa contudo destacar, em jeito de nota prévia, o eventual desencontro, não só em termos temporais, entre este novo regime, que prevemos que venha a ser publicado nas próximas semanas, e a futura revisão do CCP, decorrente da sobredita transposição das directivas comunitárias, que terá de ocorrer até meados de Abril de 2016. Pese embora ainda não seja conhecido o resultado do trabalho realizado pelo grupo de trabalho constituído para esse fim, ou seja, de compatibilizar o CCP com as várias directivas comunitárias, prevemos que possa ocorrer uma desarticulação entre ambos os diplomas, visto o regime aplicável às plataformas electrónicas de contratação pública ser sucedâneo do regime dos contratos públicos e não o contrário.
Do texto final agora aprovado, que corresponde a uma alteração bem mais densa e extensa, em comparação com o regime actualmente em vigor, donde não é possível abordar todas as novidades, destacamos três traços, que consideramos definidores deste novo regime.
O primeiro tem que ver com a introdução de requisitos de licenciamento da actividade de gestão e exploração das plataformas electrónicas, o qual depende de licença a conceder pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P. (IMPIC). Este licenciamento passará a estar dependente do preenchimento de certos requisitos, como, a título de exemplo, a credenciação junto do Gabinete Nacional de Segurança (GNS), ser detentor de idoneidade comercial e possuir capital próprio, integralmente realizado, de no mínimo 50 mil euros.
O segundo é relativo à interoperabilidade e à compatibilidade, quer entre as plataformas electrónicas que operam no mercado, quer entre estas e as plataformas da administração pública, sejam soluções já existentes, como é o caso do Portal BASE, sejam soluções que venham a ser implementadas oportunamente, cuja intenção foi mostrada pelo Tribunal de Contas ou pela Autoridade da Concorrência, entidades que tiveram um papel extremamente meritório no recorte e no acompanhamento deste novo regime.
Em terceiro e último lugar, assiste-se à introdução de um regime sancionatório, até agora inexistente, cuja fiscalização está a cargo do IMPIC e do GNS, conforme o âmbito, pese embora revelar-se demasiado severo em certos casos, por exemplo na previsão da sanção acessória de interdição temporária do exercício da actividade, sem que porventura tenha transitado qualquer sentença em julgado nesse sentido, quer em termos de qualificação, quer em termos de valores das coimas, que podem ascender a 100 mil euros, bem acima do limite constante do ilícito de mera ordenação social.
Como nota final, este novo regime das plataformas electrónicas, que denota um elevado fardo tecnológico e jurídico, terá decerto implicações significativas, quer na actividade das entidades gestoras das plataformas electrónicas, pois aumenta consideravelmente os deveres e os requisitos funcionais, técnicos e de segurança, quer na actividade dos operadores económicos, pois não facilitará a vida às empresas e aos utilizadores. Aguardemos então o impacto desta alteração.
Associado sénior de PLMJ