Desde que foram comprados pelo Estado português em 2007, os helicópteros Kamov de combate aos incêndios já tiveram cinco acidentes. Além do de Setembro de 2012, que deixou uma das aeronaves russas paradas, o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (GPIAA), que apura as causas dos desastres da aviação em território nacional, já foi chamado a investigar outros quatros incidentes.
O primeiro aconteceu poucos meses depois de os helicópteros começarem a voar em Portugal. Na manhã de 20 de Fevereiro de 2008, um dos Kamov descolou do aeroporto de Loulé com cinco tripulantes para uma missão de treino de salvamento no mar: a cerca de duas milhas náuticas a sul de Vilamoura, o helicóptero tentava resgatar três vítimas com um guincho. Mas quando já se encontravam salvas e em suspensão, a cerca de quatro metros acima da água, “o cabo parou o movimento de subida e começou a descer à velocidade normal”. Consequência: as vítimas foram novamente atiradas à água, ficando submersas. O piloto instrutor estabilizou o helicóptero e passou o comando a um aluno, que voltou a tentar subi-las. Novamente sem sucesso: o cabo desenrolou-se outra vez, “até as vítimas mergulharem novamente na água”. Só à terceira tentativa é que a operação foi abortada.
O relatório do GPIAA detectou que a integração do guincho no Kamov não tinha sido certificada e encontrou um problema no sistema de retenção e travagem do cabo. Ainda assim, os técnicos concluíram que também contribuíram para o incidente a “operação irregular do equipamento”, a “insistência em operar um equipamento depois de se terem manifestado diversos sinais de incapacidade para continuar a operação” e a “falta de procedimentos para operação do equipamento”. Mais: foram igualmente “detectados sinais indicativos de falta de preparação adequada do pessoal para a operação e manutenção do guincho”.
as linhas “invisíveis” Nem um mês depois, acontecia o segundo acidente. A 7 de Março, um outro kamov embateu contra linhas de média tensão durante o combate a um fogo no Parque Natural da Peneda Gerês. De acordo com o relatório da investigação, o helicóptero transportava um balde com capacidade para cinco mil litros de água e a missão previa que fosse usada a albufeira de Touvedo, localizada no rio Lima e próximo de Ponte da Barca, para o reabastecimento.
“A tripulação sobrevoou a albufeira para verificação do local, e não tendo detectado a presença de obstáculos, prosseguiu com a aproximação à superfície da água onde efectuou o enchimento do balde até à sua capacidade máxima”, contam os técnicos. Depois de abastecer, e já na fase de descolagem, “a tripulação detectou a presença de três cabos eléctricos muito próximos do helicóptero e decidiu prosseguir sem efectuar qualquer tipo de manobra evasiva ou procedimento de emergência”. O descuido saiu caro: o balde do Kamov bateu nos cabos eléctricos – fixados a 10 metros da água e propriedade da EDP – e partiu-os. Ainda assim, a actuação dos pilotos teve uma atenuante: as linhas não estavam balizadas e os postes de apoio, nas margens da albufeira, encontravam-se no meio da vegetação. Assim, o relatório, datado de 18 de Abril de 2008, concluiu que a causa do acidente foi a tripulação não ter detectado atempadamente a presença dos cabos. Mas indica como “causas contributivas” o “pouco contraste dos cabos com o meio ambiente e a falta de balizagem dos cabos eléctricos”. A EDP acabou instada a “caracterizar a sinalizar as linhas de média tensão como obstáculos à navegação aérea”.
descolagem demasiado potente Em plena época de incêndios de 2009, o mesmo helicóptero que embateu nas linhas eléctricas do Gerês voltou a sofrer um acidente. O heliporto da Guarda é usado, no Verão, como base para os meios aéreos de combate aos fogos e, a 31 de Agosto, um pequeno helicóptero Eurocopter estava estacionado a 40 metros da pista de aterragem. Quando um Kamov foi chamado, às 8h da manhã, para apagar um fogo em Ribeira da Nave, no Sabugal, o “pior” aconteceu: “Durante o processo de descolagem, o downwash do Kamov provocou o movimento violento das pás do rotor principal do Eurocopter, que embateram na protecção traseira do rotor de cauda, provocando um rasgo na sua skin. As pás do rotor ficaram danificadas, bem como a starflex”, descreve o relatório do GPIAA. Traduzindo, a deslocação da massa de ar provocada pela descolagem do Kamov fez as pás do Eurocopter mexerem-se, embatendo no helicóptero russo e danificando-o.
o kamov que nunca mais voou Mais tarde, no início de Setembro de 2012, deu-se o acidente do Parque de Merendas de Espite, em Ourém. O Kamov tinha acabado de se reabastecer de água numa albufeira e, durante a subida, um motor falhou repentinamente. O segundo motor entrou em modo de emergência, mas o heli despenhou-se e sofreu “danos substanciais”. O piloto comandante não sofreu ferimentos, mas o co-piloto partiu o dedo de um pé. Os motores ainda não foram enviados para a Rússia e, três anos depois, as causas da falha continuam a ser um mistério. A seguir ao acidente, a frota inteira parou por precaução, mas voltou a voar. À excepção do helicóptero acidentado, que continua guardado num hangar.
o mistério do fumo do motor Mais recentemente, o motor de um outro Kamov voltou a dar problemas de forma repentina. A 30 de Dezembro do ano passado, em São Brás de Alportel, decorria um treino com guincho sobre o mar quando o piloto comandante “ouviu um ruído e sentiu uma vibração”. A missão durava há já 40 minutos e não havia, no painel de instrumentos, qualquer aviso ou sinal de desconformidade. Terá entretanto começado, segundo o relatório preliminar, a sair “fumo intenso” do motor direito. A tripulação decidiu seguir imediatamente para o aeroporto de Faro, com o combustível que alimentava o motor afectado cortado. O Kamov aterrou em segurança e as causas da falha continuam por apurar. A operação do Kamov, diz o GPIAA, foi suspensa após “inspecção efectuada também ao motor esquerdo”.