Luz


Depois de nenhum liceu de Lisboa aceitar a minha matrícula, Maria Barroso sabia que a minha saudosa mãe (que tão grata lhe ficou sempre) estava então muito fragilizada pela morte prematura da minha irmã, e temia por mim.


Depois do almoço dos seus 90 anos, a última vez que estive com Maria Barroso foi graças a um convite do Pedro Borges para ir ao seu Cinema Ideal, onde estreava a versão restaurada do belíssimo “Mudar de Vida”. Ali estava ela com o olhar luminoso de sempre, a recordar-nos aqueles tempos de filmagem como se fossem ontem, sem falhar qualquer pormenor. “O meu querido aluno!”, era sempre assim que me saudava, no olhar que não mentia e me fazia feliz por sentir tão genuíno aquele afecto especial. 

É uma história de vida, uma profunda devoção de 45 anos. Começou quando entrei no Colégio Moderno (1970), depois de nenhum liceu de Lisboa aceitar a minha matrícula, e apesar de uma dita “primavera marcelista” que pelos vistos me considerava “perigoso” aos 14 anos. Ela sabia que a minha saudosa mãe (que tão grata lhe ficou sempre) estava então muito fragilizada pela morte prematura da minha irmã, e temia por mim.

Por isso mesmo, sensível e terna como era, fez questão de me acompanhar de perto. Conheci bem a coragem e a fibra de Maria Barroso, os dissabores que vivia com o marido exilado e sob a constante ameaça de que o regime fechasse o colégio. Não esqueço o papel ingrato que lhe cabia quando lhe levava a ler o jornal que os alunos faziam, e em que escrevíamos coisas violentas contra a ditadura. “Vocês ainda me fecham o colégio!”, dizia, sempre preocupada, mas sorrindo por nós, que compreendíamos bem a dupla ingratidão do seu papel. Era única.

Sei que Maria Barroso é uma figura ímpar da história contemporânea do meu país, mas guardo o privilégio de o ser também da minha própria vida. Luminosa, a minha Professora!

Escreve ao sábado

Luz


Depois de nenhum liceu de Lisboa aceitar a minha matrícula, Maria Barroso sabia que a minha saudosa mãe (que tão grata lhe ficou sempre) estava então muito fragilizada pela morte prematura da minha irmã, e temia por mim.


Depois do almoço dos seus 90 anos, a última vez que estive com Maria Barroso foi graças a um convite do Pedro Borges para ir ao seu Cinema Ideal, onde estreava a versão restaurada do belíssimo “Mudar de Vida”. Ali estava ela com o olhar luminoso de sempre, a recordar-nos aqueles tempos de filmagem como se fossem ontem, sem falhar qualquer pormenor. “O meu querido aluno!”, era sempre assim que me saudava, no olhar que não mentia e me fazia feliz por sentir tão genuíno aquele afecto especial. 

É uma história de vida, uma profunda devoção de 45 anos. Começou quando entrei no Colégio Moderno (1970), depois de nenhum liceu de Lisboa aceitar a minha matrícula, e apesar de uma dita “primavera marcelista” que pelos vistos me considerava “perigoso” aos 14 anos. Ela sabia que a minha saudosa mãe (que tão grata lhe ficou sempre) estava então muito fragilizada pela morte prematura da minha irmã, e temia por mim.

Por isso mesmo, sensível e terna como era, fez questão de me acompanhar de perto. Conheci bem a coragem e a fibra de Maria Barroso, os dissabores que vivia com o marido exilado e sob a constante ameaça de que o regime fechasse o colégio. Não esqueço o papel ingrato que lhe cabia quando lhe levava a ler o jornal que os alunos faziam, e em que escrevíamos coisas violentas contra a ditadura. “Vocês ainda me fecham o colégio!”, dizia, sempre preocupada, mas sorrindo por nós, que compreendíamos bem a dupla ingratidão do seu papel. Era única.

Sei que Maria Barroso é uma figura ímpar da história contemporânea do meu país, mas guardo o privilégio de o ser também da minha própria vida. Luminosa, a minha Professora!

Escreve ao sábado