Laura Ferreira apareceu em público sem cabelo. A mulher do primeiro-ministro mostrou as consequências da batalha contra o cancro e essa imagem – num tempo em que o frame vale muito mais que mil palavras e em que as eleições marcam o horizonte político – gerou críticas violentas nas redes sociais.
Foi a primeira vez que Laura Ferreira acompanhou uma visita oficial do chefe de governo desde que lhe foi diagnosticado cancro, no ano passado. A visita de dois dias teve um pormenor importante: a comitiva passou por Guiné-Bissau e Cabo Verde, precisamente os locais onde a mulher de Passos Coelho nasceu e cresceu. Mas foi a imagem de Laura Ferreira, sem lenços nem perucas, publicada na primeira página de um jornal diário, que gerou críticas de aproveitamento político da sua situação de saúde.
O caso não tem precedentes na história políticaem Portugal, porque junta a mulher de um alto responsável político e uma doença que carrega um enorme estigma social. A questão torna-se, por isso, incontornável: deve a mulher do ex-primeiro-ministro evitar a exposição pública nos meses que faltam até às eleições do Outono?
“Não se pode impor um segundo sofrimento, ocultar o que aconteceu” para evitar essa atenção mediática, considera Albina Dias, psicóloga e coordenadora da Unidade de Psico-Oncologia do núcleo regional Sul da Liga Portuguesa Contra o Cancro.
“Não se trata de dizer que há um certo ou um errado, a pessoa tem de estar confortável com o que está a fazer”, acrescenta Maria Jesus Moura. A directora clínica da unidade de Cuidados de Suporte e Oncologia Psicossocial do Instituto Português de Oncologia de Lisboa sublinha que a forma como se lida com os sinais exteriores dos tratamentos contra o cancro variam de pessoa para pessoa. O próprio peso simbólico que a perda de cabelo tem é diferente em função da idade dos doentes.
Essa é, de resto, umas das cinco grandes barreiras psicológicas com que os doentes lidam depois do diagnóstico: as alterações da imagem corporal e da integridade física. “O cancro é uma doença muito estigmatizada, com muitos tabus, e os doentes são muitas vezes vistos como condenados”, destaca Albina Dias. E, na verdade, os números até contrariam essa percepção generalizada de que o sucesso no combate à doença é reduzido.
colher que frutos? Desde que perdeu o cabelo, a atitude de LauraFerreira tem sido sempre a mesma: não esconder, não ter vergonha. Nas duas vezes que saiu para jantar com PassosCoelho, perto de casa, fê-lo da mesma forma – sem adereços. Mas, nas redes sociais, a reacção foi implacável. A três meses das eleições, Passos Coelho estaria a usar a doença da mulher em proveito próprio.
Rodrigo Moita de Deus duvida que um calculismo político a esse nível pudesse trazer benefícios eleitorais.
“Evidentemente que a imagem, que é muito forte, humaniza o primeiro-ministro. Mas o governo não será avaliado por Laura, não é por isso que o desemprego vai descer ou os salários vão subir no dia das eleições”, considera o consultor de comunicação política, com rodagem em campanhas eleitorais.
Um psicólogo social que prefere manter o anonimato rejeita ao i que haja “consequências directas” da exposição. “Este caso pode ajudar a reforçar ou a atenuar a imagem que já se tem, mas não permite fazer uma conversão da imagem” política que os eleitores já tenham formado acerca de Passos Coelho.
Distanciando-se das leituras políticas, Albina Dias destaca o impacto anímico que a atitude da mulher do ex-primeiro-ministro pode ter noutros doentes. “Parece um gesto muito simples, mas é corajoso e pode ajudar muita gente. Pode levar outros a pensar que qualquer pessoa pode ter cancro e pode continuar a ter uma vida.”
Mostrar a sua imagem – o preço físico que pagou por ter cancro – foi o caminho escolhido por Laura Ferreira. Há outras opções, e cabe a cada doente escolher as “ferramentas” com que parte para a batalha. Por ser uma figura pública, a decisão da mulher do primeiro-ministro tem uma dimensão maior. Há 24 anos a lidar com doentes oncológicos, Maria Jesus Moura também se mantém distante das reacções à opção de Laura Ferreira. Mas não esconde que “é muito fácil fazer interpretações quando não se vivem os problemas, quando se está distante da realidade”.