China. Queda das bolsas mete crise grega num chinelo

China. Queda das bolsas mete crise grega num chinelo


Impacto na economia mundial é incógnita. Mas pode ter reflexos nas companhias chinesas que estão em Portugal.


A Fosun, uma das empresas que está na fase final da compra do Novo Banco, caiu 9,01% no último ano na bolsa de Xangai. E a derrocada pode não ficar por aqui. As acções das empresas chinesas têm vindo a cair desde o mês passado, numa desvalorização que ronda já os 30%. A situação inverteu-se ligeiramente no dia de ontem, depois de o regulador chinês ter proibido os accionistas com mais de 5% de participações nas companhias cotadas em bolsa de venderem os títulos durante os próximos seis meses.

Mesmo assim, ontem à tarde, o índice MSCI, que reúne acções da região Ásia-Pacífico com excepção do Japão, subia apenas 1,63%, depois de ter aberto a cair 0,9%. “A recuperação nem sequer pode ser considerada uma vitória”, explicou Du Changchun, analista da Northeast Securities em Xangai, citado pelo “Globo”. “Mais de metade das empresas não estão a ser negociadas no mercado”.

O economista João César das Neves considera que o que se está a passar nas bolsas chinesas é um “fenómeno gigantesca, que pode afectar o mundo inteiro, que anda distraído com outras coisas”, disse, referindo-se implicitamente à crise grega, com um impacto incomensuravelmente menor na economia mundial.

Outro analista, Rafael Lomenso, advogado associado da CCA Ontier Xangai, explicou ao i que uma grande parte do actual desaire se deve à forma como os chineses encaram o mercado bolsista. “O aumento que as bolsas de Shanghai e Shenzhen viveram em 2015 e finais de 2014 não se deve ao fortalecimento das empresas chinesas mas sim à falta de sofisticação do público investidor chinês”, disse.

As bolsas de valores tornaram-se num gigantesco jogo público, com as classes mais altas a utilizarem este tipo de investimento como um elemento diferenciador ao nível social. E diferentemente do que acontece nos mercados europeus e norte-americano, 80% dos investidores são cidadãos, pessoas físicas, muitos deles totalmente inexperientes, que investem com base em rumores, criando mercados muito mais vulneráveis a reviravoltas repentinas. Pior. Muitas vezes agem como verdadeiros rebanhos, trocando de empresas como quem troca de camisa.

Outra razão que justifica a queda abrupta das bolsas explica-se pelo facto de os investidores de longo prazo estarem agora a investir menos em acções, depois de terem acumulado importantes ganhos no último ano. O índice de Xangai, por exemplo, cresceu 150% até Junho, altura em que entrou em queda abrupta.

Rafael Lomenso explica que este comportamento errático por parte dos investidores chineses se “traduziu em valorização de acções independentemente de factores económicos, e com alguns casos caricatos, como crescimentos repentinos devido unicamente à mudança de nome de uma empresa ou mesmo de ramo de actividade, sem qualquer substância na respectiva capitalização”. A mesma fonte acrescenta que “a meu ver, e conversámos muito sobre isso dentro do escritório, era uma questão de tempo para que as bolsas reduzissem drasticamente depois das primeiras perdas substanciais”.

Mesmo assim, acredita, é uma questão de tempo para que o investidor chinês se torne mais sofisticado e para que a variação bolsista se torne cada vez mais dependente de factores económicos e menos de factores sociais”.

O economista João Duque considera que o risco da crise do mercado bolsista asiático afectar as empresas chinesas em Portugal é grande. “O problema é a posição que tomaram em títulos emitidos por outras empresas chinesas”, disse, referindo-se nomeadamente à Fosun que utilizou capital da Fidelidade neste tipo de operações. “O que significa que poderemos vir a assistir a surpresas do tipo da Portugal Telecom face ao BES”.

Outro tipo de impacto, acrescenta, “advém dessas empresas chinesas precisarem de repente de liquidez na China, e por isso tenham de alienar património em Portugal. Se calhar não tanto nas participações, sociais mas nos imóveis”. Situação que também poderá estender-se às famílias que compraram imóveis em Portugal ao abrigo dos Vistos Gold.

Recorde-se que ao contrário do que sucedeu noutros países europeus, como em França, onde o investimento chinês se concentrou sobretudo no imobiliário, no nosso ele foi feito prioritariamente em empresas estratégicas, como a EDP ou a REN, e mais recentemente nos seguros, como trampolim para entrar na Europa.