© Arquivo pessoal Mria Barroso
Ser mãe é um extraordinário acto de coragem. Ama-nos ainda sem nos ver, por instinto. A primeira luz que distinguimos é ela, o primeiro cheiro é o da sua pele, e o primeiro som é o do seu coração.
É com a nossa mãe que aprendemos a coragem, é ela que nos ampara quando a terra treme, nos coloca na margem certa e nos faz jurar que voltaremos mais fortes a cada embate com a infâmia.
Tão franzina, tão frágil, a disfarçar a dor para que o mundo nos pareça mais claro, a fazer corpo para que o monstro debaixo da nossa cama não nos apanhe e nos retorça a vida, mas se isso acontecer, ela lança-se ao abismo connosco a puxar para nos salvar.
Vivem na dúvida sobre a melhor resposta a dar às nossas ganas de viver. Um pouco mais e têm medo de nos perder, um pouco menos e receiam magoar-nos.
No coração de uma mãe, todos os filhos são átomos de esperança, como as palavras resistência, luta e pátria, palavras progenitoras criadoras de vida.
Ser mãe é um acto de insubmissão, a nossa mãe deseja uma vida melhor para nós, melhor que a que teve em menina, melhor que a que tiveram os seus antepassados. Elas são revolucionárias que nos fazem crescer incitando-nos a procurar sempre melhor.
Nós somos o seu maior legado e orgulho, que uma e outra vez, ao seu colo e no embalo das suas caricias, entre pedidos de indulgência e juras amor, prometemos honrar.
Maria Barroso é uma mulher superlativa e radiosa, de uma elegância intemporal. Que posso acrescentar que já não tenha sido dito por uma vida excepcional?
Que ficou a faltar a conversa que há um mês, tínhamos combinado quando segurávamos as mãos no pátio do Colégio Moderno e te senti leve como um pássaro?
Que me impressionaste pela coragem, quando em 2005 na campanha eleitoral, te vi enfrentar sozinha, um provocador que de garrafa partida em punho, olhava incrédulo a tua ousadia?
Ou quando te ouvi declamar o poema “Liberdade” de Paul Éluard, no Rádio Clube para um programa de aniversário do 25 de Abril, e no fim, os jovens que não sabiam quem eras, e que ouviam o poema pela primeira vez, aplaudiram emocionados?
O fascismo tentou intimidá-la, pôs-lhe a PIDE à porta para a calar e vergar, não conseguiu. Hoje ela faz parte do panteão onde estão os que, pelo seu sacrifício e coragem, devemos a nossa liberdade.
Por onde passava, fosse a declamar poesia de revolta, a participar na luta clandestina, ou no apoio aos presos políticos, a sua presença era um clarão de resistência e de esperança anunciada.
Maria Barroso foi mãe e teve dois filhos, a Isabel e o João, que criou e educou muitas vezes sozinha, em tempos muito duros de grande sufoco financeiro, onde devido à falta de orçamento ia às compras às seis da manhã para conseguir os melhores alimentos para o Colégio onde o regime fascista a tinha proibido de exercer.
Com Mário Soares preso ou deportado, conseguiu ir em frente, enfrentar a adversidade, manter a família, resolver todos os problemas e assumir todas as responsabilidades.
Como se não bastasse, esteve sempre na primeira linha da luta política pela liberdade e pela justiça social.
Nunca esteve na sombra porque foi sempre luz, e muitas vezes foi a única mulher presente. Na altura, sem o ainda sabermos, já era a nossa primeira-dama.
Era da sua natureza, Maria Barroso mulher livre que amava o seu país, culta, insubmissa, era a representação da dignidade humana. Teve uma vida cheia em vários domínios, e foi uma mãe extraordinária e de coragem.
Se o legado de uma mãe é aquilo que transmite aos filhos, então Maria Barroso deixa aos seus um testemunho ético e moral de um valor incalculável.
Quem conhece a Isabel e o João, sabe do seu empenhamento cívico, coragem política e dimensão cultural, evidenciados nos percursos públicos de ambos, e também pela obra de referência pedagógica que é o Colégio Moderno, onde se educam os valores da cidadania, da solidariedade e da liberdade.
Por isso cada vez que sairmos à rua para enfrentar a injustiça, lá estarão a Isabel e o João e com eles estás tu, ao nosso lado, a incendiar a memória e a incentivar o exemplo.
E se como dizem poetas e astrónomos, somos feitos de poeira estelar, então quando a noite estiver mais triste e os tempos forem de ameaça e servidão, vou procurar na imensidão do espaço a tua estrela, para que nos ajudes a rasgar a escuridão e a iluminar as avenidas dos homens e mulheres livres que cantaste.
Combinado Maria? Abraço forte.
Consultor de comunicação
Escreve à quinta-feira