APAV aponta “quatro pecados” à proposta do Governo para Estatuto da Vítima

APAV aponta “quatro pecados” à proposta do Governo para Estatuto da Vítima


Esta directiva europeia existe desde 2012 e tem obrigatoriamente de ser transposta para o quadro jurídico nacional, terminando o prazo em Novembro, já que se trata de um instrumento legal vinculativo para os Estados-membros.


A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) entende que a proposta de lei do Governo que transpõe o Estatuto da Vítima para o Código de Processo Penal tem quatro “pecados originais”, apontando incoerências, ambiguidades e até mesmo inutilidades.

A APAV é ouvida esta quinta-feira na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei do Governo que aprova o Estatuto da Vítima, transpondo uma directiva da União Europeia.

No parecer, a que a Lusa teve acesso, a associação começa por lamentar que a proposta de lei do Governo tenha sido “apresentada já na reta final do prazo” e que “a redação daquela proposta não tivesse sido precedida de qualquer debate ou consulta que permitisse uma discussão alargada”.

A APAV critica também que a proposta de lei seja levada à Assembleia da República quase no final da actual sessão legislativa, “diluída no meio de mais de seis dezenas de iniciativas”.

“Na melhor das hipóteses, poder-se-á esperar uma transposição legal minimamente consentânea com o conteúdo da diretiva, embora mesmo isso, atendendo às lacunas e às deficiências patentes no texto da proposta de lei, se afigure pouco provável”, aponta a APAV.

Para a associação, a proposta de lei do Governo tem “quatro ‘pecados originais’”: “uma sistemática confusa e, nalguns aspectos, incoerente; um grau de concretização muito aquém do que seria desejável em várias matérias; a omissão pura e simples de direitos estatuídos na directiva; e a não compreensão daquilo que se pretende em matéria de protecção”.

Na opinião da APAV, o Estatuto da Vítima deveria ser “integralmente” inserido no Código de Processo Penal, enquanto as vítimas especialmente vulneráveis deveriam ser enquadradas na Lei de Protecção de Testemunhas, discordando da opção do Governo de dividir a transposição da directiva.

Diz mesmo que a opção do Governo “conduz inevitavelmente a duplicações e incoerências”, já que, se for aprovada, haverá “dois dispositivos legais a preverem o mesmo direito”.

No que diz respeito à concretização de alguns direitos, a APAV acha que, “em muitas matérias”, a proposta de lei “é muitíssimo débil, quando não mesmo ambígua”.

Dá como exemplo um artigo da proposta, sobre “assistência à vítima”, que aponta como sendo “um caso de total inutilidade, uma vez que se limita a remeter para um regime já existente, não introduzindo qualquer inovação que melhore o tratamento conferido às vítimas de crimes”.

Já no que diz respeito ao direito a uma decisão relativa a indemnização, “a proposta de lei não vai além do óbvio”, enquanto as medidas para incentivar os autores dos crimes a indemnizarem adequadamente as vítimas não têm direito “nem a uma palavra, nem uma ideia”.

A APAV entende que o documento tem também várias omissões, por exemplo, ao nível do direito à informação da vítima, do direito a interpretação e tradução ou acesso a serviços de apoio.

Especificamente sobre o direito à proteção e ao estatuto das vítimas especialmente vulneráveis, a APAV entende haver três falhas: “inserção sistemática confusa, omissões relativamente a várias medidas previstas na directiva, tratamento da matéria relativa às vítimas especialmente vulneráveis revelador de não compreensão do texto e do espírito da directiva”.

Por último, a APAV pede que a entrada em vigor do Estatuto da Vítima seja feita juntamente com uma formação cada vez mais aprofundada das autoridades judiciárias e policiais.

Lusa