Açores. Neste festival, o palco principal está montado nas nuvens

Açores. Neste festival, o palco principal está montado nas nuvens


S. Miguel recebeu o primeiro festival de balões de ar quente. Ao azul e verde que lhe são originais, a ilha juntou as cores dos 15 balões que lhe pintaram os céus


Açores, S. Miguel, Ribeira Grande. O cenário cumpre todos os requisitos dos panfletos turísticos e dos postais que enchem as lojas de souvenirs. Verde em terra, azul no mar e o lilás das hortênsias a servir de contraste entre os dois. Com esta paisagem à vista, ninguém consegue pensar em competição e é por isso que, no primeiro festival de balões de ar quente dos Açores, as 15 equipas sobem aos céus apenas para partilhar a sensação de voar ao sabor do, neste caso imprevisível, vento das ilhas. Sim, porque se pôr um balão de cem quilos no ar já parece desafiante o suficiente, imagine-se em S. Miguel, cujos dias conseguem ser o espelho das quatro estações do ano.
O nevoeiro cerrado do primeiro dia deixa pilotos e população em terra, mas se o dia de voos ficou perdido, o mesmo não se pode dizer da noite. Debaixo de um céu carregado, o Night Glow – performance que conjuga música com a luz expelida pelos balões – anima o campo de jogos de Rabo de Peixe, num momento que prova que mais imprevisível que o tempo das ilhas só mesmo o improviso da população. A chuva e o vento não assustam quem já está habituado às lides e, apesar de os balões ficarem em terra, vão deitando chamas à contagem feita por Fernando Alvim, o animador de serviço. Das colunas do estádio ouve-se um medley de Xutos e Pontapés, Coldplay e o clássico dos Survivor “Eye of the Tiger”, acompanhados ao vivo pelo presidente da Câmara da Ribeira Grande que, nesta noite, assume o lugar de violinista e monta palco ao lado do DJ Tojó, debaixo do olhar atento dos drones que vão sobrevoando o local. “A população está em delírio”, grita Alvim ao microfone, e os nossos olhos nem sabem o que focar. À meia-noite acaba-se o repertório dos músicos de serviço e o gás dos balões. O melhor é descansar a cabeça deste espectáculo de activação dos sentidos, que no dia seguinte a nova tentativa de voo está marcada logo para as 6h da manhã.

No ar O sol nasceu há apenas uma hora, mas a azáfama no campo de lançamento já faz parecer que o dia vai a meio. As equipas dedicam-se a pôr no ar os 15 balões que se alinharam de maneira a levantarem no minuto certo. “Isto, às vezes, é uma questão de segundos até que o vento mude e aí já não podemos voar”, explica Luís Ferreira. Com o curso de piloto tirado há 11 anos e mais de 1100 horas de voo no currículo, pareceu-nos uma opção segura para nos guiar numa primeira viagem. Uma ventoinha de alta potência ajuda a insuflar o balão e, numa questão de segundos, saltamos para o cesto e já estamos longe do chão. A leveza de movimentos é tal que até custa a acreditar que o balão onde seguimos pesa 80 quilos. “E podem chegar aos 220 quilos”, garante Luís, enquanto coordena o lançamento de gás que mantém o aparelho suspenso sobre a ilha. Ao longe vê-se Ponta Delgada e, ao perto, tem–se a noção de ver a Ribeira Grande acordar, numa altura em que são mais os balões no ar que os carros nas estradas. A escolha da hora não foi feita ao acaso: a conjugação entre uma temperatura amena e um vento fraco faz com que a madrugada e o fim da tarde sejam as alturas ideais para voar.
Como quase todos os 20 pilotos que actualmente se dedicam ao balonismo em Portugal, Luís também começou como pára–quedista. “Passar do stresse do pára-quedas para a calma do balão é um contraste brutal.” A experiência já lhe deu o primeiro prémio na travessia do país em balão e a confiança leva-o a voar com a filha pequena que, com apenas três anos, já tem 15 horas de voo. “Voava comigo ainda presa no canguru.” A “loucura” – como lhe chama – é de família. “A minha mulher costuma voar comigo e é o meu pai que faz o resgate”, explica. Ouvimos a palavra “resgate” e as pernas começam a tremer, mas uma mudança nos ventos nem dá tempo de o medo chegar. “Agarra-te que vamos aterrar.” O aviso do piloto são ordens para uma inexperiente. As mãos fincam-se nas cordas colocadas para o efeito, as pernas flectem-se para minimizar o impacto e os olhos fecham-se por segundos na hora de tocar o chão. A cesta tomba e arrasta-se por uns metros, mas acabamos a travessia inteiros e, só por isso, já damos a missão como cumprida. Tal como previsto, poucos minutos depois chega ao local Manel Ferreira, pai de Luís, que explica por acções o que queria dizer o tal “resgate”. Estaciona a carrinha perto do balão e os dois, com a destreza de quem já tem os movimentos automatizados pela prática, conseguem em poucos minutos dobrar um balão de 2200 metros cúbicos de ar quente até que caiba num saco, como se de uma tenda de campismo se tratasse. 
A tradição diz que um voo de balão não está terminado sem um brinde com champanhe – aliás, a cesta de vime tem mesmo um espaço reservado para as flutes –, mas tendo em conta que estamos a ver o dia nascer, ficamo-nos por um café na bomba de gasolina mais próxima. Mesmo sem álcool, o brinde parece ter mudado a meteorologia e a sorte da população, que a partir daí teve dois voos diários assegurados, sem chuva, vento ou nevoeiro a atrapalhar. De manhã cedo e ao final da tarde, Aníbal Soares, um dos organizadores do festival e proprietário da primeira escola para pilotos de balão em Portugal, lança dois balões ao ar – desta vez, daqueles das festas de aniversário – que ajudam a perceber a direcção e força do vento. Depois, já munido de tecnologia, emite o veredicto com o polegar para cima. “Podemos voar.” Antes de entrar no cesto, uma principiante avisa: “Olhe que ainda me dá uma coisinha do coração.” Assistimos à aterragem e garantimos que o coração, assim como o corpo, vieram num só. De diferente, só a cara que passou do medo à satisfação e uns olhos que dizem “posso ir outra vez?”.