Alice no País das Maravilhas. Há 150 anos a cair na toca do coelho

Alice no País das Maravilhas. Há 150 anos a cair na toca do coelho


A primeira edição do livro para crianças mais cobiçado pelos adultos foi paga pelo próprio Lewis Carroll – e saiu das prateleiras pouco depois, há 150 anos.


“One pill makes you larger/And one pill makes you small/And the ones that mother gives you/Don’t do anything at all/Go ask Alice/When she’s ten feet tall”, cantavam os Jefferson Airplane em 1967 na música “White Rabbit”, que não nos sai da cabeça. “Feed your head”, era o grito de guerra da canção que homenageava “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, e ao mesmo tempo se tornava um hino ao consumo de drogas psicadélicas – com referências ao livro, claro, para escapar à censura na rádio como um coelho branco em fuga.

Será “Alice no País das Maravilhas” também um livro sobre drogas? A pergunta continua a dar que escrever, principalmente em alturas de comemoração dos 150 anos da publicação da primeira edição do livro – que entretanto foi destruída. Aí as opiniões variam, mas acredita-se que Lewis Carroll, na verdade o pseudónimo do matemático Charles Lutwidge Dodgson, não era um consumidor habitual de ópio, popular na altura. Mas sabe-se lá. O melhor mesmo é perguntar à Alice.

Em vez disso, a BBC consultou Heather Worthington, professor de Literatura Infantil da Universidade de Cardiff. “A noção de que os aspectos surreais do texto são consequência de sonhos movidos a drogas é mais uma coisa da cultura dos anos 60, 70 e 80, quando o LSD foi largamente divulgado, e mesmo dos dias de hoje, em que as drogas recreativas são muito comuns”, opina. 

Anthony Browne, que ilustrou a edição britânica do livro de 1988, acredita que isso pouco interessa. “As pessoas interpretam os livros de uma forma lógica, como fazem com os sonhos. Querem que tenham um significado”, diz. “‘Alice no País das Maravilhas’ não é para ser lido como um livro com lógica. Isso não importa. Não acho que Carroll tenha escrito o livro para ser interpretado. Escreveu-o para entreter.”

DO PASSEIO DE BARCO AO MANUSCRITO Na verdade a história ganhou forma três anos antes da publicação, em 1862, quando passeava de barco no Tamisa com Alice Lidell, filha do reitor do Christ Church College, onde dava aulas, e com as suas duas irmãs. Alice, a protagonista da história, caía na toca de um coelho e acabava por ir parar a um mundo imaginário. Mais tarde, e a pedido da verdadeira Alice, na altura com dez anos, acabou por escrever a história, primeiro num manuscrito com o título “Alice’s Adventures Under Ground”, que lhe ofereceu no Natal num caderno verde, e, um ano mais tarde, com o nome que conhecemos hoje e com mais capítulos, como o do Chapeleiro Louco ou o do Gato de Cheshire.

O primeiro manuscrito da história, com desenhos feitos à mão por Carroll, foi vendido pela própria Alice em 1928 num leilão. O coleccionador norte-americano que o comprou por 15 mil libras (mais de 20 mil euros) acabaria por vendê-lo seis meses mais tarde por 150 mil dólares (135 mil euros).

A primeira edição do livro que conhecemos hoje chegou às lojas a 4 de Julho de 1865 mas foi retirada de circulação por causa das queixas do ilustrador Sir John Tenniel, descontente com a impressão do livro. A tiragem que se seguiu esgotou-se acabaram por se vender 160 mil cópias, um êxito de tal ordem que Carroll até pediu ao Christ Church College que lhe baixassem o salário. Um dos livros para crianças mais populares de sempre. Principalmente entre adultos.

150 YEARS OF WONDERLAND É esse primeiro manuscrito do livro, originalmente pertencente a Alice Liddell (de cabelo castanho e não loiro, como a Alice do livro), que pode ser visto na exposição de comemoração dos 150 anos de “Alice no País das Maravilhas”. O manuscrito foi entretanto recuperado pelo British Museum mas viajou de propósito, e pela primeira vez em três décadas, até à Morgan Library de Nova Iorque para a exposição “Alice: 150 Years of Wonderland”, que inaugurou no final de Junho.

Até 11 de Outubro podem ser vistas fotografias originais de Carroll (tinha um particular fascínio por fotografar raparigas e até há fotos suas de crianças despidas, o que também tem gerado polémica), edições raras do livro, ilustrações especiais como os rascunhos que John Tenniel fez para o livro e até correspondência trocada entre os dois. Também há cartas entre Carroll e o seu editor, Alexander Macmillan, que convenceu Carroll a pagar os custos da impressão da primeira tiragem. “Through the Looking-Glass” (em português “Alice do Outro Lado do Espelho”), a continuação do livro, foi publicado em 1871 pela mesma editora.

Agora, 150 anos depois, “Alice no País das Maravilhas” está traduzido em mais de 50 línguas – até zulu. Deu origem a livros de física quântica, a livros de receitas e até a um pop-up de onde saem cartas que parecem pairar no ar. Mais que isso, inspirou artistas como Salvador Dalí, que ilustrou uma edição especial em 1969, e Walt Disney, que já tinha pegado na protagonista para os desenhos animados “Alice Comedies”, em 1924, e que em 1951, já com mais dinheiro nos bolsos, a tornou rainha de um filme obrigatório na infância, tal como o livro em todas as alturas da vida.