Resolvi juntar nesta crónica algumas notas sobre três coisas pouco importantes que me chamaram a atenção nas últimas horas.
1) Li uma crítica ao controverso pastel de bacalhau com queijo da serra lá dentro, que se vende na Baixa e se arroga um valor de tradição que não tem, porque nunca houve tal mixórdia na nossa gastronomia. As pessoas andam demasiado zangadas com isto e com a história de o turismo estar a transformar Lisboa numa caricatura de si mesma. E provavelmente não moram em Alfama, como eu. Há empregados de mesa vestidos de marinheiro no Campo das Cebolas. Percebo os riscos disto tudo – e sobretudo o ridículo disto tudo –, mas ainda gosto de ver aquele sorriso meio taralhouco na cara dos turistas a olhar para a cidade quando vou a caminho de casa. E vou provar o pastel.
2) Depois estive a ler os protestos e insultos das pessoas que pagaram uma pipa de massa para ir a um festival de sushi em Oeiras, organizado pelo apresentador Nuno Graciano, e não chegaram sequer a prová-lo. Há quem tenha pago 200 euros para ir a uma coisa destas em vez de os gastar a comer confortavelmente uma barrigada de sushi num bom restaurante e ir para os copos – e, quem sabe, ainda ir aos saldos no dia seguinte. Foi castigo: meteram-se com o homem que diz que não acredita na bissexualidade, como se estivesse a falar de Deus ou da vida após a morte. Provavelmente, Nuno Graciano acreditava, sim, no milagre da multiplicação dos peixes. Mas ontem deixou de acreditar.
3) Li a opinião do provedor da RTP, Jaime Fernandes, contra a transmissão de touradas no canal do Estado, defendendo que se trata de “uma forma de violência sobre os animais”. O aficionado Nuno da Câmara Pereira respondeu: “A transmissão de touradas na RTP1 faz o mesmo sentido que a emissão de telenovelas com cenas de amor durante a tarde, hora a que há crianças a ver.” Tive de reler esta frase algumas vezes, mas parece-me que o que ele está a fazer é equiparar – através de um moralismo sarcástico muito rebuscadinho – a violência sobre os animais com o amor entre as pessoas. Pois, pois, são duas coisas muito nocivas para a educação das crianças. Eu bem sei o que foi o trauma de passar uma infância a ver novelas e a achar que as pessoas se beijavam sem língua e tinham sexo com o sutiã vestido.
Felizmente ultrapassei tudo isso e considero-me uma boa amante, o que curiosamente deve fazer com que Nuno da Câmara Pereira me considere gado bovino. Que medo.
Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado