© Thanassis Stavrakis/AP
Para tornar a negociação ainda mais interessante, o escuteirinho e a velhinha já trocaram várias vezes de papel.
O que quer que aconteça no próximo domingo, quer vença o “sim” e o governo do Siryza se demita, quer vença o “não” e os credores desistam da Grécia, quer surja do referendo a oportunidade de, sem lhe chamar reestruturação da dívida grega, se fazer a dita, terá consequências nos estados-membros da União Europeia.
Desde logo naqueles que terão eleições legislativas nos próximos tempos (Portugal, Espanha, a Grécia se o governo se demitir), mas também muitos outros que terão eleições regionais (caso da Alemanha, onde a CDU tem vindo a acumular maus resultados nas eleições para os Länder e onde a Sr.a Merkel no domingo não tem nenhum correligionário a disputar a segunda volta das eleições em Dresden) ou locais.
E convém não esquecer que a vacina Siryza, que muitos acusam Rajoy e Passos, com o apoio do Partido Popular Europeu, de querer aplicar à Grécia, com o propósito de justificar a política de austeridade e afastar os extremismos de esquerda (o Podemos por Espanha e os 10% que as sondagens atribuem em Portugal aos pequenos partidos de extrema-esquerda) tem adeptos em Itália (Renzi gostaria que Beppe Grillo e o seu Movimento 5 Estrelas se desintegrassem ainda mais rapidamente do que, por mérito de Grillo, tem vindo a acontecer) e em França (onde o Front National tem um discurso antieuropeísta e antieuro idêntico ao da extrema-esquerda).
Qualquer que seja o resultado do referendo na Grécia, houve já um efeito da vacina Siryza. As imagens da corrida aos multibancos e aos bancos já se fixaram na memória de todos. Em Portugal esta vacinação por via televisiva terá efeitos de deslocação do eleitorado para o centro e de retracção da extrema-esquerda, descontado o PCP, impermeável à competição partidária e beneficiando de uma militância disciplinada cujo voto cresce pelo simples aumento da abstenção.
Resta conhecer o detalhe dos movimentos de voto em direcção ao centro. Passos Coelho e Portas apostam na atracção de votos dos indecisos, agora motivados pela vacina Siryza, e na deslocação de algum eleitorado da franja mais à direita do PS. Pode ser o suficiente para, como mostraram as recentes sondagens, a coligação ficar perto do resultado do PS. Mas à esquerda do PS e sem contar com o PCP há mais de 10% de votos que poderão ser afectados pela vacina Siryza e migrar para o PS.
Ao contrário do que pensam os estrategos da coligação Portugal à Frente, a vacina Siryza pode beneficiar muito mais o PS que o PSD/CDS-PP. Já pelo Largo do Rato a linha oficial via a extrema-esquerda lusitana, descontado o PCP, como sendo capaz de eleger deputados e podendo apoiar um governo de António Costa. Não estará na altura de revisitar as consequências na extrema-esquerda portuguesa do fenómeno Siryza?
A Idade Média ter-se-ia caracterizado pelo desconhecimento da língua e da cultura gregas, que só penetraram na Europa a partir do século xiii por via das traduções árabes, a translatio studiorum. No Verão de 2015 não há razões para ignorar o que se passa na Grécia. A frase que entrecortava as leituras da vulgata latina – graecum est, non legitur – no período medievo não deve ser retomada por mais que nos queiram fazer viver numa nova Idade Média.
Escreve à sexta-feira