Marinho e Pinto poderá manter o seu lugar no Parlamento Europeu (PE). Apesar de a Constituição prever a perda de mandato para um deputado que troque o partido por que foi eleito à Assembleia da República (AR) por outra força política, a verdade é que existe um “vazio legal” quanto ao que fazer quando em causa estejam as oscilações partidárias de um eurodeputado – como no caso de Marinho e Pinto, que abandonou o Partido da Terra (MPT) para se filiar no Partido Democrático Republicano (PDR), que passou a dirigir. A comissão de Ética vota em breve o parecer do deputado PedroDelgado Alves (PS) sobre um caso “inédito” em Portugal.
O deputado socialista ficou com uma batata quente nas mãos. O presidente da comissão de Ética atribuiu-lhe a responsabilidade de avançar com uma solução jurídica para a queixa que o MPT apresentou junto da presidente da Assembleia da República.
Para já, sobram dúvidas. “Trata-se de um caso virgem, nunca houve outro igual e não é líquido se essa competência cabe à AR”, dizia ontem Pedro DelgadoAlves.
O socialista não arrisca uma data concreta para a apresentação da sua posição, até porque o presidente da comissão de Ética pede um parecer “o mais sólido possível”. Até ao final da legislatura será certamente. “É a nossa prioridade”, garante Pedro Lynce.
O vazio de leis Ironia ou não, a questão que envolve o ex-bastonário da Ordem dos Advogados é puramente jurídica. O “acto relativo à eleição dos representantes ao Parlamento Europeu por sufrágio universal directo”, uma lei de 1976, estabelece que, “sempre que a legislação de um estado-membro determine expressamente a perda do mandato de um deputado do Parlamento Europeu, o seu mandato cessa por força das disposições dessa legislação”. “Deputado ao Parlamento Europeu” é a expressão–chave a fixar.
É que o estatuto dos deputados tipifica claramente o que fazer quando há uma troca de partidos. No ponto 1 do artigo 8.o, alínea c), o diploma prevê que “perdem o mandato os deputados que se inscrevam em partido diferente daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio”. Mas, em declarações ao i, fonte parlamentar entende que seria “abusivo” estender este critério aos eurodeputados.
E, “na ausência de mecanismos de decisão sobre o estatuto dos deputados ao Parlamento Europeu, impera o princípio de in dubio pro libertate” – entenda-se, o mandato fica como está.
Entre os deputados da comissão de Ética – como o próprio Pedro Delgado Alves deixou claro –, uma das dúvidas passava por saber se caberia ao parlamento tomar uma decisão sobre o assunto, qualquer que fosse.
Questionado o Parlamento Europeu, fonte oficial remete o enquadramento para a tal legislação de 1976 e adianta que, tomada essa decisão pelas “autoridades nacionais”, o presidente do PE simplesmente “informará” o plenário “de que o mandato [do deputado em questão] chegou ao seu termo na data comunicada pelo estado-membro e convidará este último a preencher a vaga sem demora”. Isto de acordo com o regimento do Parlamento Europeu.
Hipótese teórica: caso a comissão de Ética se decidisse pela perda de mandato de Marinho e Pinto e aprovasse o parecer nesse sentido no final desta semana, início da próxima, Martin Schulz poderia fazer esse anúncio até daqui a uma semana. O último plenário do Parlamento Europeu está agendado para o dia 9 de Julho, em Estrasburgo.
O juiz decide Mas quem será afinal a “autoridade nacional” a quem cabe desenrolar este novelo legislativo?
Depois da fundação do PDR, em Fevereiro, o Partido da Terra esperou. Depois veio a eleição de Marinho e Pinto como presidente, no final de Maio, e o MPT manteve-se impávido. Só há cerca de duas semanas os dirigentes do partido decidiram agir, e nessa altura dispararam em todas as direcções: Tribunal Constitucional, Procuradoria-Geral da República, Comissão Nacional de Eleições (CNE), Assembleia da República e Parlamento Europeu. Não houve organismo que não recebesse uma participação do caso.
A CNE já reagiu, para dizer que a tomada de decisão não mora ali. O TC confirmou ao i que também recebeu um documento do MPT, mas ainda não foi possível saber se os juízes do Constitucional se consideram “a” autoridade a quem cabe tomar da palavra nesta matéria.
Em resposta ao i, o ParlamentoEuropeu deixa claro que “não é competente para retirar mandatos aos eurodeputados”.
O deputado José Soeiro (BE) pertence à comissão de Ética e “aguardará o parecer” para tomar uma posição final a este respeito. Mas vai dizendo que não lhe parece “evidente” que caiba à Assembleia da República a “competência” nesta questão. Talvez ao Tribunal Constitucional.
Sérgio Azevedo também integra a comissão que analisa os casos que envolvem o estatuto dos deputados. O social-democrata não tem dúvidas quanto à legitimidade do parlamento para “emitir um parecer”. Mas se esse documento assume ou não força de lei – e portanto vale como decisão final –, é cedo para dizer. Antes é preciso estudar a lei.