A mensagem chegou em vídeo, 16 minutos de críticas e ameaças proferidas por dois homens de cara tapada, militantes do autoproclamado Estado Islâmico (ISIS na sigla em inglês), deixadas ao grupo que gere a Faixa de Gaza. O Hamas é um grupo de “apóstatas” e “tiranos” que não devia reprimir os salafistas no enclave palestiniano e que não devia relacionar-se com o Irão e o Hezbollah libanês, ambos xiitas, nem com os “nacionalistas”, os “secularistas” e os “comunistas” da região.
“O objectivo da jihad não é libertar território”, diz o primeiro, num vídeo gravado na província síria de Alepo e que foi partilhado em várias contas de redes sociais de simpatizantes do ISIS. “Ajihad é definida por Deus, serve para lutar e implementar a lei de Deus. Eles [Hamas] estão a educar as crianças para que respeitem a bandeira [palestiniana], mas não podem libertá-las. A estrada para a libertação da Palestina atravessa o Iraque e nós [ISIS] estamos a aproximar--nos daí, dia após dia, enquanto eles [Hamas] se afastam desse objectivo.”
No mesmo vídeo, outro militante critica o Hamas por considerar os membros do ISIS e os seus apoiantes como “khawarij”, um termo da história islâmica antiga que se refere a um grupo de muçulmanos “que transgrediram”. É esse segundo homem, também ele de cara tapada, que termina a referir os recentes confrontos que tiveram lugar no campo de refugiados de Yarmouk, na capital síria, Damasco, entre os jihadistas e grupos palestinianos, incluindo uma facção associada ao Hamas. “Juramos por Deus que o que está a acontecer hoje na Síria, especialmente no campo de Yarmouk, é o que irá acontecer em Gaza.”
Luta de titãs As críticas e ameaças ao grupo xiita de resistência à ocupação israelita surgem após meses de perseguição a apoiantes do ISIS no enclave palestiniano de onde o Estado hebraico retirou tropas e colonos há oito anos, mantendo contudo um bloqueio à entrada e saída de pessoas e bens até hoje. Por causa da situação explosiva no território com maior densidade populacional do mundo, muitos analistas têm referido os riscos de o ISIS conseguir infiltrar–se na Faixa de Gaza, tendo em conta que vários batalhões de jihadistas já controlam grandes partes da Síria e do Iraque.
Àsemelhança do ISIS, o Hamas não nutre simpatias por Israel, mas ao contrário dos jihadistas diz não ter qualquer intenção de instalar um califado islâmico na região, mas apenas de proteger os interesses dos palestinianos. Ao longo dos últimos meses, desde que o ISIS começou a espalhar o terror em Junho do ano passado, foram surgindo rumores de que o Hamas teria ligações aos jihadistas, sobretudo na península egípcia do Sinai, onde ontem dez soldados egípcios foram mortos por supostos militantes do ISIS.
Esses rumores nunca se provaram e impõem a questão de o ISIS, sendo um grupo sunita, não ter qualquer interesse em aliar-se a um grupo xiita como é o caso do Hamas. Perante as ameaças de ontem, vários analistas falam agora na possibilidade de ser o mais selvático grupo da história moderna a forçar os inimigos Israel e Hamas a aproximarem-se para manterem os jihadistas fora de Gaza. “Esta não é a primeira vez que o Hamas envia uma mensagem de que está disposto a discutir uma hudna [cessar-fogo prolongado] com Israel”, referia ontem à Reuters Haim Tomer, antigo chefe de operações externas da Mossad, uma das secretas israelitas. À mesma agência, o porta-voz do Hamas, Sami Abu Zuhri, disse que o grupo vai “lidar com qualquer esforço necessário que leve ao fim do bloqueio e que alivie o sofrimento da população de Gaza desde que isso não afecte a nossa causa nacional”.