Não foram as únicas governantes a inflamar associações sócio-profissionais e sindicatos nos últimos quatro anos. Mas poucos ministros deste governo enfrentaram tanta oposição dos agentes do sector como Anabela Rodrigues e Paula Teixeira da Cruz.
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A tensão nas áreas da Administração Interna e da Justiça tem aumentado nos últimos meses. Anabela Rodrigues enfrenta a contestação das polícias por causa dos novos estatutos profissionais, perdeu um secretário de Estado que se incompatibilizou com ela e irritou, anteontem, os bombeiros profissionais. Paula Teixeira da Cruz por outro lado tem lidado com duras críticas de juízes e procuradores do Ministério Público, também por causa da revisão dos respectivos estatutos. Na Justiça, as relações agudizaram-se de tal maneira que as duas classes – as mais importantes – cortaram relações com a tutela.
a isolada O último pedido de demissão da ministra da Administração Interna partiu da Liga de Bombeiros Profissionais (LBP), que engloba sapadores, municipais, forças especiais e associações humanitárias. Anteontem, no congresso nacional, 200 bombeiros aprovaram, por unanimidade, um pedido de demissão da ministra e avisaram que poderão avançar para uma greve nacional em plena época de fogos. O presidente da LBP, Fernando Curto, diz que Anabela Rodrigues estar no ministério ou não estar “é a mesma coisa” e acusa-a de “indiferença” em relação ao sector e de não cumprir as promessas do antecessor Miguel Macedo, que se comprometeu a publicar o novo estatuto. A ministra não terá dado seguimento ao diploma e os bombeiros alertam que há “uma enorme falta de efectivos para a prestação de socorro” às populações.
O descontentamento é transversal a praticamente todas as áreas tuteladas por Anabela Rodrigues. O presidente do sindicato de inspectores do SEF, Acácio Pereira, já a chamou de “não ministra” e a GNR e a PSP ameaçam com uma nova manifestação de forças de segurança. As relações deterioram-se de tal maneira que o primeiro-ministro foi obrigado a intervir e terá avisado Anabela Rodrigues de que não pode haver uma manif em época eleitoral.
Os ânimos da PSP acalmaram recentemente, depois de três rondas de negociação do novo estatuto e de a ministra ter dado garantias, por escrito, de que vai acatar as reivindicações dos agentes e oficiais da polícia. Mas, desde Fevereiro, Anabela Rodrigues enfrentou várias ameaças de protestos, cartas enviadas pelos sindicatos a Passos Coelho com queixas e pedidos de demissão. O foco de conflito centra-se agora na GNR, que não aceita a proposta de estatuto que foi apresentada às associações sócio-profissionais. O presidente da APG, a mais representativa dos militares, já avisou que não terá a mesma “paciência” que os sindicatos da PSP e que caso não haja acordo na reunião do próximo dia 7 de Julho, os militares saem mesmo à rua.
Dentro do ministério, o ambiente também não é melhor e a ministra – que perdeu um secretário de Estado devido a divergências pessoais – não colhe a simpatia de boa parte dos funcionários. Até às legislativas, o grande desafio de Anabela Rodrigues será conseguir evitar uma grande manifestação de polícias.
A resistente Paula Teixeira da Cruz sobreviveu politicamente ao caos no Citius – que paralisou os tribunais durante mais de dois meses, no início deste ano judiciário –, mas viu esgotarem-se os créditos com a revisão dos estatutos dos magistrados. A “gota de água” foi derramada no início deste mês, quando a ministra atirou para o lado de juízes e procuradores do Ministério Público a responsabilidade pelos atrasos na aprovação dos documentos. Mais: ao dizer no parlamento que “ninguém entenderia” a aprovação de aumentos salariais como os que constavam das propostas que lhe chegaram às mãos, Teixeira da Cruz fez recair sobre os magistrados a imagem de insensibilidade social perante o momento que o país atravessa.
A resposta foi rápida. Em menos de um mês, as associações sindicais de juízes e procuradores radicalizaram posições e deixaram a ministra da Justiça praticamente vetada ao isolamento institucional – de fora fica a Polícia Judiciária, junto da qual a responsável pela Justiça continua a reunir créditos políticos. Os representantes sindicais alegam ter perdido a “confiança” na ministra, acusando Teixeira da Cruz de ter “faltado à verdade” no parlamento.
A novela terá em breve novos desenvolvimentos. Na Justiça, ainda se espera pelo parecer das Finanças às propostas de aumentos previstas nos estatutos. Apesar disso, juízes e procuradores continuam a dizer que essa não é a questão central e que o mais importante era ver aprovados os estatutos, sem os quais, diz o líder do sindicato dos magistrados do MP, reina o caos na investigação criminal. Do lado dos juízes, a presidente da associação sindical fala em “inconstitucionalidades” na reforma do mapa judiciário que só os estatutos poderiam colmatar.
Cronologia
Anabela Rodrigues
11 de Fevereiro
Quase três meses depois de assumir o cargo, Anabela Rodrigues enfrenta a primeira ameaça de uma manif de polícias por se manter em silêncio e não receber os sindicatos da PSP.
24 de Abril
O secretário de Estado adjunto da Administração Interna, Fernando Alexandre, demite-se por causa de divergências com a ministra.
12 de Maio
Os sindicatos da PSP voltam a ameaçar com uma manif porque Anabela Rodrigues não responde a uma carta enviada em Abril, com um conjunto de reivindicações sobre o novo estatuto profissional.
9 de Junho
Anabela Rodrigues dá a conhecer às associações da GNR a proposta de novo estatuto profissional. Os militares ficam indignados e ameaçam organizar uma manifestação se não houver alterações ao documento.
28 de Junho
Depois das polícias, os bombeiros. A Liga dos Bombeiros Profissionais aprova um documento em que pede a demissão da ministra e ameaça com uma greve nacional em plena época de incêndios. Anabela Rodrigues é acusada de mostrar “indiferença” em relação ao sector.
Paula Teixeira da Cruz
Maio de 2014
Os grupos de trabalho para rever os estatutos dos juízes e dos procuradores do Ministério Público (MP) começam a trabalhar.
3 de Dezembro de 2014
Cinco meses depois do prazo final para a entrega das propostas de revisão, o grupo que reviu o estatuto dos juízes apresenta resultados.
9 de Janeiro de 2015
O grupo de trabalho dedicado aos estatutos do MP entrega o seu projecto.
14 de Maio
O secretário de Estado da Justiça – a quem esteve entregue o acompanhamento dos grupos de trabalho – remete às Finanças a versão consolidada dos projectos.
3 de Junho
No parlamento, a ministra da Justiça diz que “ninguém entenderia” que as actualizações salariais constantes das propostas fossem aprovadas. Foi a gota de água para os magistrados.
18 de Junho
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público acusa a ministra de não responder às solicitações. Foi o passo anterior ao corte de relações com a governante.
20 de Junho
A Associação Sindical de Juízes Portugueses decide cortar relações institucionais com Teixeira da Cruz.