1. Dizem as estatísticas recentes que o salário médio nacional retrocedeu para 1124 euros em 2014. Brutos, claro. Em torno, portanto, dos 800 euros líquidos ou menos, para quem seja assalariado. Este salário médio é quase metade do salário mínimo no Luxemburgo e está próximo do rendimento mínimo garantido na Bélgica. Irlanda, Alemanha, Holanda e França têm também salários mínimos em torno dos 1500 euros.
Tudo isto é sobejamente conhecido neste país que tem vivido sempre acima das suas possibilidades. O país que tem um salário mínimo de 505 euros (abaixo das Honduras e semelhante ao pago no Irão, já agora) e um salário médio de 1124 euros consegue, mesmo assim, ter mais de 13% de desemprego ou 22% de taxa de risco de pobreza para famílias com crianças após transferências sociais.
Pode ser que alguém se volte a lembrar, na próxima campanha eleitoral, de falar do peso excessivo dos salários e de como é preciso flexibilizar adicionalmente o tal mercado de trabalho. Quando o fizerem, é bom que não se esqueçam dos padrões salariais que temos e, porque não, os mencionem com orgulho e esperança: abaixo das Honduras e idênticos aos do Irão.
2. O Tribunal de Contas levantou dúvidas, imagina-se que fundamentadas, sobre as privatizações recentes da EDP e da REN, no sentido de estas terem respondido essencialmente às necessidades das finanças públicas no curto prazo, mas terem sido feitas sem acautelar os interesses nacionais para o futuro neste sector. Enquanto outros países europeus asseguraram golden shares do Estado, controlo accionista público ou limitações no poder de accionistas não europeus, nada disso se passou em Portugal.
A história repete-se sempre entre nós. Os monopólios públicos rapidamente se convertem em monopólios privados, acompanhados de um arranjo floral a que se chama, quando conveniente, concorrência e mercado livre. Deve ser o mesmo mercado livre que leva um desgraçado a bater-me à porta ao sábado de manhã e a mentir descaradamente em toda a linha só para obter uma assinatura para um contrato de electricidade com um outro fornecedor. Vale tudo porque nada vale.
3. Na imprensa de ontem lia-se que há professores de universidades privadas pagos a cinco euros à hora, o que já nem se paga hoje por trabalho doméstico. Isto diz muito, só por si, sobre a oferta disponibilizada pelo ensino superior privado, com a conivência e a irresponsabilidade de vários governos e entidades públicas, e sobre o modelo de “excelência” desse sector. Ao mesmo tempo, a acreditação e a avaliação de instituições e de cursos atingem picos de burocracia impensáveis e têm custos financeiros relevantes para as escolas. Tudo tão regulado, tudo tão avaliado, tudo tão acreditado… E os bons professores e as boas aulas, já agora?
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira