A ideia de que toda a gente é potencialmente bissexual tem sido repetida desde que Freud popularizou a teoria do colega Fliess de que esta seria a predisposição inata do ser humano. Quase cem anos depois, não há estudos que demonstrem a origem da orientação sexual ou o que a determina. Mas há cada vez mais pessoas a assumir a bissexualidade publicamente e o mundo deixou de se dividir entre hetero e homossexuais, ao ponto de se falar de uma moda entre os jovens. Que reflexões surgem nos consultórios?
Os psicólogos rejeitam banalizações e acreditam que no futuro, mais do que sermos todos bissexuais ou de outra qualquer orientação, deixará de haver os rótulos que muitas vezes são motivo de depressão de pessoas que não se sentem confortáveis com as suas vivências. Esta é a convicção da sexóloga Vânia Beliz. Sandra Vilarinho, presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, concorda.“Acho que o futuro passará por deixar de haver necessidade de definir a orientação sexual, dando liberdade à pessoa para viver a sexualidade da forma que se sentir realizada e mais natural.”
Mais do que haver finalmente a aceitação da bissexualidade como o verdadeiro normal, o que as especialistas consideram mais importante retirar de autores clássicos como Alfred Kinsey, que nos anos 40 publicou a escala da orientação sexual que continua a ser referência na psicologia, é o facto de haver todo um espectro de vivências. Na escala de Kinsey, num extremo estão as pessoas exclusivamente heterossexuais e no outro as exclusivamente homossexuais, sendo que mais tarde se acrescentou aqueles que não têm qualquer desejo de contacto ou relação sexual. As pessoas devem poder espalhar-se ao longo do espectro sem se reprimirem ou acusarem a pressão dos pares. “Durante muito tempo ou eram heterossexuais ou homossexuais e o mundo não é preto e branco. A grande liberdade do futuro será uma pessoa fazer sexo com quem quer da mesma forma que almoça ou vai ao cinema com quem quer”, diz Beliz. “Não é por alguém ter uma experiência sexual com alguém do mesmo género que é homo ou bissexual”, explica. Tem de ser algo continuado no tempo. Uma resposta séria a perguntas como quem é que nos excita ou com quem fantasiamos, mais do que achar alguém do sexo oposto bonito. E a atracção ou fantasias mesmo sem experiências de facto são indícios.
moda nos jovens Entre os jovens, a constatação de que há cada vez mais manifestações de comportamentos bissexuais merece ainda algumas reticências. Vilarinho admite ser necessário esperar alguns anos para perceber a consequência da maior liberdade, já que experimentar e transgredir faz parte da natureza do adolescente, mas isso não significa que todos serão bissexuais. Já Beliz acredita que, em particular nas raparigas, os contactos com o mesmo sexo servem para provocar os rapazes.“Estou convencida de que é na maioria das vezes a motivação das raparigas para esta moda de publicar fotografias de beijos no Instagram”, exemplifica.
Se o comportamento, quer seja experimentação de facto ou provocação, pode não ser prejudicial, a psicóloga avisa que há sempre o risco de alguns o fazerem para “seguir os amigos” e depois não conseguirem gerir as experiências numa sociedade que continua a ser predominantemente hetero. O mesmo acontece por exemplo quando a vivência da sexualidade surge associada ao álcool e drogas. “No dia seguinte apercebem-se e caem. É preciso ter presente que estes problemas de aceitação estão muitas vezes por detrás do suicídio dos jovens.”
Aos pais, a especialista recomenda atenção e sobretudo não dramatizarem as experiências.“A maioria dos pais quer filhos heterossexuais, mas além de não ser uma opção, uma experiência não significa que o filho seja bissexual ou homossexual. Sobretudo na adolescência e juventude, que é a fase de definição e consolidação da orientação sexual. Será sempre pior se reprimirem.”
No consultório Manuela Moura, terapeuta sexual, sublinha que embora hoje haja uma maior naturalidade nas vivências, a confusão associada à descoberta da orientação sexual mantém-se em alguns casos e a bissexualidade não é excepção. No consultório ouve algumas vezes“porque é que sou assim” e explica que enquanto houver uma sociedade normalizada, terá sempre de haver um esforço de conseguir viver na diferença. “Tento sempre questionar ao contrário: como acha que se sentiria um heterossexual num mundo só de homossexuais ou bissexuais?”.
Se aos olhos da sociedade parece ser mais fácil assumir a bissexualidade, as especialistas salientam que a incompreensão por parte da comunidade gay, que os considera indecisos, é uma queixa comum em quem os procura. “Talvez porque socialmente parece ser melhor aceite, alguns homossexuais pensam que os bissexuais só o são por não terem a coragem que eles tiveram para sair do armário.” Da parte dos heterossexuais, parece ser mais difícil para os homens serem aceites como bissexuais do que as mulheres. “Há muito a fantasia sexual masculina de achar extremamente estimulante ver duas mulheres juntas”, justifica Manuela Moura. Vilarinho lembra que a aceitação da diferença, de que alguém não gosta do mesmo que nós, continua a ser um dos principais problemas da vida em sociedade. “As mulheres hetero aceitam mais facilmente os homens gay que as lésbicas e isso também ainda não mudou.”