Estamos tão anestesiados e incapazes de destrinçar entre o acessório e o essencial, tão preguiçosos para procurar outras vias e reflectir sobre outras experiências, tão órfãos de referências, que preferimos agarrar-nos de olhos fechados ao mastro do barco que se afunda a descobrir de olhos abertos outros espaços.
Mesmo que ensaiemos uma postura crítica, de facto não saímos do mesmo sítio, cada vez mais apertado e com menos presenças, seja por deserção ou por chamamento final.
É a confirmação de Lampedusa de que “algo deve mudar para que tudo continue como está”. O cansaço, o ego e o medo de errar, expondo-nos como humanos e não como infalíveis a tocar o céu que imaginávamos ser, fazem o resto.
Perdemo-nos em labirintos de retórica e, reféns dos nossos preconceitos, já nem escolhemos; aceitamos e aplaudimos, agradecidos e aliviados por alguém nos ter substituído no acto de cidadania de fazer opinião.
Deixamos que a nossa aflição vença a razão e, no fim, a culpa é sempre dos outros que não perceberam, que são atrasados, que têm medo, sem entendermos, na nossa soberba, que os outros somos nós.
A esquerda que algures se perdeu, e que hoje procura espaço e palavra, está obrigada a fazer um caminho corajoso de humanidade, para além de uma regeneração ética e moral. Não se trata de um virar de página, mas sim de escrever um novo livro.
Este é um tempo de persistência e semeadura, de ir à raiz das coisas, à consciência dos homens, ao sagrado revolucionário de cada um, insubstituível e necessário.
A credibilidade de um projecto também passa pela exigência na sua concretização.
É por isso que o comportamento ético e moral das personalidades candidatas a cargos políticos tem de ser avaliado pela sua relação com os outros e com a comunidade, especialmente quando não se encontravam sob o projector de uma candidatura anunciada.
A propósito, o jornal “SOL” publicava na edição da semana passada que um homem de olhos azuis, morador em Oeiras, teria tentado por duas vezes embargar a obra de um centro de acolhimento para adultos com paralisia cerebral.
O homem de olhos azuis tentou tudo porque defendia que o centro para adultos com paralisia cerebral lhe tirava as vistas e ia alterar “o equilíbrio” da zona, o que causava “grandes prejuízos tanto em termos de vista, em espaço de jardim, e passeios e lazer”.
O homem de olhos azuis mais os seus tios queixaram-se que perdiam qualidade de vida, mas o centro de acolhimento para pessoas com paralisia cerebral não se intimidou.
O homem de olhos azuis perdeu todas as acções, no tribunal de Oeiras e no de Sintra, perdeu na apreciação de um provedor de Justiça e perdeu no pedido de indemnização que a Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral lhe exigiu.
O homem de olhos azuis, apesar de condenado, continuou a protestar por carta para o município.
O homem de olhos azuis não pagou a indemnização, como era de esperar de quem tanto diz zelar pela legalidade e responsabilidade.
Quem pagou foi Isaltino Morais, com dinheiros públicos. Outro cidadão teria acabado por pagar à custa do seu património.
Hoje, o centro de acolhimento cumpre as suas funções, tem um bonito painel restaurado do pintor Rogério Ribeiro e chama-se “Painel do Sol”. A APCL é um orgulho para os portugueses.
O homem de olhos azuis despertou tarde para a política, e parece que para a cidadania também.
O homem de olhos azuis quer ser Presidente, e eu não quero um governante que é capaz de ser tão duro de coração, não quero alguém que dormia descansado sabendo que impedia melhores condições para os mais débeis em troca da sua aristocrática vista para as árvores.
Pouco me interessa que tenha um expediente académico admirável, saiba poesia e cite de cor as convicções que, no intervalo das campanhas, voltam para o baú do esquecimento, ou que ande de cravo ao peito – muitos filhos da mãe também –, que descenda de uma família da nobreza ou que ande de bicicleta.
O homem de olhos azuis finge que é independente, mas não é. Finge que a universidade é um local imaculado por onde só passam puritanos, mas ele sabe que não se chega a reitor sem pecado.
Nós não sabemos o que vêem os olhos azuis deste homem.
Consultor de comunicação
Escreve à quintas-feira