Nestes anos da governação de Passos Coelho ocorreram grandes mudanças em Portugal. Muito do que era deixou de ser. Parte do que tínhamos, deixámos de ter. Os sectores afectos à coligação vangloriam-se de reformas estruturais. Na realidade, quase nenhuma foi feita. Foram feitos, sim, cortes de despesa, destruição de valor, vendas ao desbarato de empresas do Estado que davam dividendos, asseguravam emprego e só não funcionavam melhor porque a gestão estatal não permite flexibilidade de decisão.
Ainda por cima, boa parte delas foram entregues a grupos estatais de outros países e não a verdadeiros privados. Os rendimentos dos portugueses, pobres ou ricos, sofreram cortes significativos, apesar de o chefe do governo negar essa evidência com enorme desplante, como se viu a semana passada na Assembleia, onde até negou o aumento do IVA.
É verdade que houve melhorias em alguns sectores do Estado. Todos os portugueses são unânimes em reconhecer que, designadamente, a Autoridade Tributária passou a ter uma eficácia tão grande que faz lembrar aquelas polícias tenebrosas dos regimes totalitários – um susto e um pavor sempre que aparece. Não admira porque a técnica que aplica é a do “levas primeiro uns safanões e depois logo se vê”.
Pagar e não bufar é o segredo desta grande máquina, cujos chefes foram demitidos mas que, mesmo assim, continua a funcionar acefalamente sob a batuta de um secretário de Estado que há muito deveria ter sido apagado do governo (que não da foto de grupo da sua tomada de posse, pois há exemplos antigos e recentes a não seguir).
Cada um de nós pôde, portanto, constatar que as mudanças foram quase exclusivamente cortes motivados por uma estratégia centrada não no reformismo, mas numa austeridade à outrance que foi para além da troika. Não fosse o BCE com a sua nova política e o Tribunal Constitucional, além de meia dúzia de empresas, e teríamos ido ao fundo como a Grécia que, aliás, se pôs a jeito durante anos, fingindo reformas e adulterando as contas do Estado com a ajuda de interesses alemães e franceses.
Melhorias pontuais das contas em Portugal não podem escamotear que estamos sem alavancas económicas sólidas e perante uma devastação social. É claro que há exemplos de sucesso nas exportações (como o turismo), mas há muito nisso de conjuntural e circunstancial. A retracção do mercado angolano e a ausência de alternativas demonstram-no plenamente.
Dificilmente se encontra algo que se possa chamar reforma no sentido de que modifique comportamentos da sociedade e traga benefícios. Uma das poucas medidas foi tomada por um político que nem sequer entrou para o governo na primeira hora. Trata-se de Jorge Moreira da Silva que, até ser nomeado para o Ambiente, governava o PSD, onde agora pontifica Marco António Costa.
Ao princípio admitiu-se que a ideia de impor uma taxa sobre certos sacos de plástico leves vendidos e até oferecidos em certos supermercados era uma manobra para sacar receita. Mas não. Os sacos a dois cêntimos, na prática, desapareceram e apareceram outros mais caros, a dez, que não têm procura. E era isso que se queria e não dinheiro. Alternativamente, surgiram sacos de papel mais baratos que as pessoas evitam. E porquê? Porque os portugueses reagiram como o ministro esperava, mudando de hábitos.
Hoje, a maioria dos consumidores do sector alimentar vão para as compras munidos de sacos reutilizáveis, de carrinhos com rodas, de mochilas e mais o que houver à mão. Dir-se-á que o fazem para evitar um gasto de dez cêntimos. Certamente. Mas a medida criou um reflexo condicionado e, por tabela, uma preocupação ambiental que se julgava impossível há um ano. Basta dizer que o consumo de sacos de plástico por cada português andava pelas quatro centenas por ano, contra países do norte da Europa onde não se gasta mais de meia dúzia.
O sector ambiental é daqueles em que é possível e necessário fazer mais reformas de procedimentos, comportamentos e mentalidades. E é também dos que têm mais lóbis instalados, alguns dos quais estão disfarçados de verde quando, na realidade, são agentes comerciais ou extensões de partidos políticos. As lutas na área da energia entre sectores afectos às renováveis e outros ligados à indústria petrolífera são o grande paradigma de negócios e interesses que envolvem milhares de milhões. Não se cuidar do ambiente põe em causa a própria sobrevivência da espécie humana a médio prazo. Ainda ontem, um relatório citado no i assinalava que as alterações climáticas podem destruir os ganhos de saúde dos últimos 50 anos.
Apesar de insignificante à escala planetária, o exemplo dos sacos é uma reforma no sentido verdadeiro do termo. E se é certo que uma andorinha não faz a Primavera, também não o é menos que é grão a grão que a galinha enche o papo. Valeu a pena! Venham mais medidas reformistas e inteligentes que não afectem a economia.
Jornalista
Director da Newshold