Paula Teixeira da Cruz está isolada. Em apenas dois dias, a ministra da Justiça viu os representantes sindicais dos magistrados do Ministério Público (MP) e dos juízes decretarem o “corte de relações institucionais” com o ministério. Em causa está a forma como Teixeira da Cruz tem gerido o processo de aprovação dos novos estatutos.
As declarações da ministra, na comissão de Assuntos Constitucionais, no início de Junho, foram a gota de água. “Quis passar para a opinião pública a imagem de que os juízes eram os responsáveis pelo impasse” na aprovação dos documentos, acusa a presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Maria José Costeira.
Na altura, a ministra justificou o arrastar do processo com as actualizações salariais em cima da mesa. “Farei tudo para concluir o processo, mas não posso concluir o processo se as exigências continuarem nestes patamares. Nem o país perceberia”, defendeu Teixeira da Cruz, que falava em aumentos de mais de 2 mil euros por mês.
As palavras da ministra – colando o bloqueio na aprovação dos estatutos às posições de juízes e procuradores – deixaram “indignados” os magistrados. Ambos os representantes sindicais falam em “perda de confiança” na responsável pela Justiça. “Agiu de má-fé”, acusam.
A resposta dos juízes foi tomada este fim-de-semana, e decidida por unanimidade: “Considerando ter havido uma quebra irreparável e definitiva na confiança institucional com a senhora ministra da Justiça e com a sua equipa ministerial, a ASJP, sem prescindir dos seus direitos, corta com aquelas relações institucionais”, divulgou ontem, em comunicado, a associação.
A associação sindical – tal como os representantes dos magistrados do MP – rejeitam quaisquer responsabilidades neste processo. “Os projectos de estatutos entregues às secretarias de Estado doOrçamento e da Administração Pública, para que apresentassem o seu parecer, foram alterados pela senhora ministra”, diz Maria José Costeira. “A proposta podia ser o mais estapafúrdia possível que a ministra tinha toda a legitimidade para alterá–los antes de passar os projectos”, sublinha a presidente da ASJP.
Se Paula Teixeira da Cruz o fez ou não é uma questão por esclarecer. Simplesmente porque, da parte do ministério, ainda não foi divulgado aos representantes sindicais qualquer modelo “uniformizado” em que a ministra terá estado a trabalhar depois de receber ambas as propostas, no início de Março.
Além disso, acrescenta a presidente da ASJP, o documento entregue a Teixeira da Cruz dificilmente foi proposto pelos juízes: “O grupo de trabalho que preparou o projecto dos estatutos foi criado pela senhora ministra e os trabalhos foram conduzidos pelo secretário de Estado da Justiça.” Cada um dos grupos tinha entre sete e nove elementos, sendo apenas um representante de cada uma das associações sindicais” – de resto, um argumento replicado pelo MP.
No final da semana, com base no mesmo processo, os magistrados do MP deram o primeiro sinal de distanciamento. Ontem, também eles disseram basta. “Já não temos quaisquer relações com a ministra da Justiça, portanto não vale a pena matar algo que já está morto”, assume ao i o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), António Ventinhas.
Do lado de Paula Teixeira da Cruz, o silêncio. Contactado, o Ministério da Justiça opta por não reagir à radicalização de posições dos magistrados.
investigação paralisada A não aprovação dos estatutos coloca sérios riscos ao funcionamento da justiça. A lei da organização do sistema judiciário, de 2013, ditou uma reorganização do mapa dos tribunais, com repercussões na movimentação dos juízes. O modelo criou um “conflito de normas” com os estatutos em vigor. “Até hoje não levantámos problemas porque esperávamos que os novos estatutos viessem resolver a situação”, refere Maria José Costeira. “Como esses estatutos não vão ser aprovados nesta legislatura, vamos ter um problema para resolver”, admite.
Os problemas estendem-se à investigação. António Ventinhas refere-se a uma “fuga em massa” dos procuradores mais especializados para os tribunais onde há perspectiva de progressão na carreira. Consequência: a investigação criminal (particularmente, à criminalidade económico-financeira) ressente-se desta migração. “Isto vai rebentar com o Departamento de Investigação e Acção Penal. Em última análise, estamos a falar da morte do MP”, defende Ventinhas.
Ao mesmo tempo, juízes e procuradores acreditam que a mudança abrupta de postura de Paula Teixeira da Cruz tenha intervenção superior. “A ministra está isolada, mas tem o aval do primeiro-ministro”, diz Maria José Costeira. O pedido de audição da ASJP ao primeiro-ministro, feito logo a seguir à audição da ministra no parlamento e rejeitado por Pedro PassosCoelho, contribui para reforçar essa ideia.