E depois da Grécia?


Se a crise grega for ultrapassada e alguma estabilidade voltar, não é seguro que as suas lições venham a ser aprendidas.


Quando estudei na faculdade o que na altura se designava ainda por Direito Comunitário, não havia uma União Económica e Monetária (UEM) real nem uma moeda única. A União Europeia, que já existia enquanto tal, havia negociado o Pacto de Estabilidade e Crescimento e os Estados-membros afadigavam-se para cumprir os critérios de convergência que permitiriam a existência de uma “zona euro”, supostamente com economias e finanças públicas onde as diferenças não fossem extremas e, pelo contrário, se pudesse verificar um nível de uniformidade que garantisse a solidez futura do projecto monetário comum.

Passados poucos anos, a crise financeira internacional tornou claro, contudo, aquilo que também já se sabia antes. A zona euro incluía, como ainda hoje, realidades económicas muito distintas e a União Económica e Monetária, sem um aprofundamento político, seria sempre um risco. Creio que uma das últimas aulas que tive com o prof. Paulo Pitta e Cunha, precisamente sobre UEM, versava o risco dos choques assimétricos e como a União Europeia, ao contrário, por exemplo, do que sucede com os EUA, não estaria preparada para uma crise desse tipo. Os países mais vulneráveis a ameaças e problemas de origem externa ou interna não beneficiariam da possibilidade de ser auxiliados a partir da própria UEM, até porque esta não previa qualquer mecanismo desse tipo e a dimensão política e democrática não existia para dar suporte decisório a medidas que seriam sempre mal compreendidas e mal aceites por parte de muitos Estados. E assim, mal a primeira crise séria chegou, vieram as medidas de emergência e o experimentalismo que no nosso quotidiano ficaram conhecidos como a troika.

Se a crise grega for ultrapassada e alguma estabilidade voltar, não é seguro que as suas lições venham a ser aprendidas. Se algumas políticas económicas ensinam que quando há dinheiro disponível é que faz sentido poupar, é certo que também faz sentido iniciar reformas em política fora da pressão e dos ressentimentos dos momentos de crise. Ora, estes últimos anos têm deixado marcas profundas na União Europeia que não se esbaterão rapidamente ao resolver-se o problema de liquidez grego. 

As dicotomias “clássicas” e naturais da Europa entre países fortes e fracos e países grandes e pequenos foram substituídas por uma outra – entre países credores e países devedores. A União Europeia, nascida acima de tudo como um projecto realista de paz perpétua na Europa, acaba a alimentar uma realidade que, como todas as relações creditícias, prefere na sua natureza a oposição a qualquer união. Depois do acordo financeiro, ficarão assim a faltar todos os outros. E para esses serão finalmente necessários os políticos que venham arrumar a casa. Ou destruí-la de vez.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 

E depois da Grécia?


Se a crise grega for ultrapassada e alguma estabilidade voltar, não é seguro que as suas lições venham a ser aprendidas.


Quando estudei na faculdade o que na altura se designava ainda por Direito Comunitário, não havia uma União Económica e Monetária (UEM) real nem uma moeda única. A União Europeia, que já existia enquanto tal, havia negociado o Pacto de Estabilidade e Crescimento e os Estados-membros afadigavam-se para cumprir os critérios de convergência que permitiriam a existência de uma “zona euro”, supostamente com economias e finanças públicas onde as diferenças não fossem extremas e, pelo contrário, se pudesse verificar um nível de uniformidade que garantisse a solidez futura do projecto monetário comum.

Passados poucos anos, a crise financeira internacional tornou claro, contudo, aquilo que também já se sabia antes. A zona euro incluía, como ainda hoje, realidades económicas muito distintas e a União Económica e Monetária, sem um aprofundamento político, seria sempre um risco. Creio que uma das últimas aulas que tive com o prof. Paulo Pitta e Cunha, precisamente sobre UEM, versava o risco dos choques assimétricos e como a União Europeia, ao contrário, por exemplo, do que sucede com os EUA, não estaria preparada para uma crise desse tipo. Os países mais vulneráveis a ameaças e problemas de origem externa ou interna não beneficiariam da possibilidade de ser auxiliados a partir da própria UEM, até porque esta não previa qualquer mecanismo desse tipo e a dimensão política e democrática não existia para dar suporte decisório a medidas que seriam sempre mal compreendidas e mal aceites por parte de muitos Estados. E assim, mal a primeira crise séria chegou, vieram as medidas de emergência e o experimentalismo que no nosso quotidiano ficaram conhecidos como a troika.

Se a crise grega for ultrapassada e alguma estabilidade voltar, não é seguro que as suas lições venham a ser aprendidas. Se algumas políticas económicas ensinam que quando há dinheiro disponível é que faz sentido poupar, é certo que também faz sentido iniciar reformas em política fora da pressão e dos ressentimentos dos momentos de crise. Ora, estes últimos anos têm deixado marcas profundas na União Europeia que não se esbaterão rapidamente ao resolver-se o problema de liquidez grego. 

As dicotomias “clássicas” e naturais da Europa entre países fortes e fracos e países grandes e pequenos foram substituídas por uma outra – entre países credores e países devedores. A União Europeia, nascida acima de tudo como um projecto realista de paz perpétua na Europa, acaba a alimentar uma realidade que, como todas as relações creditícias, prefere na sua natureza a oposição a qualquer união. Depois do acordo financeiro, ficarão assim a faltar todos os outros. E para esses serão finalmente necessários os políticos que venham arrumar a casa. Ou destruí-la de vez.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa