A síndrome da porta mal fechada


Daqui faço um pedido: no momento em que for confrontado com a vontade de “fazer o bem”, avisando o outro do “perigo extremo” que corre, respire fundo e meta-se na sua vida. Ainda provoca um acidente grave.


App PictureShow com filtro e moldura 135 slide  © Carla Hilário Quevedo

Há dias, Hercule Poirot, o detective belga criado por Agatha Christie, disse a seguinte frase a propósito de assuntos tão importantes como o homicídio: “O mundo está cheio de pessoas boas que fazem coisas más.”

Não me lembro se a terá dito em “Crime do Expresso do Oriente”, uma obra-prima, mas faria todo o sentido naquele contexto. A solução para o crime coloca Poirot na situação de juiz, o que é raro, se não mesmo caso único. E Poirot decide como “pessoa boa que faz uma coisa má”. Mas até que ponto será mau o que fez?

Tomemos esta introdução como pano de fundo para a história que vou contar, que está, felizmente, vários furos abaixo do problema moral com que Poirot é confrontado. No caso de Poirot, temos a justiça a ser praticada pelas próprias mãos de várias vítimas, tornando-as homicidas. No caso da minha história quotidiana temos pessoas preocupadas com os outros, a querer fazer o bem, com efeitos que podem ir do sobressalto ao acidente e até à morte.

No ano passado ia tendo um acidente na Ponte sobre o Tejo. Vinha feliz da praia com uma amiga quando do carro atrás começam a buzinar imenso. “Mas o que é que se passa?”, perguntava ao espelho retrovisor como se esperasse ser atendida na resposta. As buzinadelas não paravam e o homem atrás gesticulava e apontava para a porta dele.

Percebi que “o problema” estaria relacionado com uma porta mal fechada. Provocado o pânico, perguntámos uma à outra: “É a tua ou a minha?” Íamos a meio da ponte e as buzinadelas não paravam. O condutor estava desesperado com a nossa distracção (não assinalada pelo carro) e estava disposto a tudo, até a provocar uma crise de nervos ao volante para resolver a situação, quem sabe se de vez.

Tentei não me deixar levar pela preocupação alheia, até porque se havia uma porta mal fechada o assunto não seria resolvido no tabuleiro da ponte. O homem lá me ultrapassou gesticulante ao ponto do pré-enfarte (dele) e quando parei em Campo de Ourique confirmei que havia uma porta mal fechada. Sim, e depois?

Há dias aconteceu o mesmo, embora na auto-estrada, também num regresso da praia. É provável que o sol e o mar enfraqueçam os braços das raparigas e daí haver portas de carros mal fechadas nestes dias. Lá apareceu outro homem cheio de gestos que se traduziam em “ai que horror, a porta!”

Parei numa bomba de gasolina e acabei com aquela fresta, a reentrância causadora de tantas angústias. Mas realmente, senhores, o que poderia acontecer? A porta abrir por causa do vento e arrastar-me com ela? Seria levada pelos ares, agarrada (ou não) à porta do carro, deixando o resto do automóvel e a passageira à deriva? Uma vez no ar, seria atacada por uma águia ou engolida por um dragão, ou raptada por extraterrestres, sugada por um feixe de um óvni que ali pairava no anonimato?

Nunca vi uma porta mal fechada de um carro abrir-se de repente provocando o caos, mas percebo a força da imaginação.

Porém, daqui faço um pedido: no momento em que for confrontado com a vontade de “fazer o bem”, avisando o outro do “perigo extremo” que corre, respire fundo e meta-se na sua vida. Ainda provoca um acidente grave.

Escreve à segunda-feira

A síndrome da porta mal fechada


Daqui faço um pedido: no momento em que for confrontado com a vontade de “fazer o bem”, avisando o outro do “perigo extremo” que corre, respire fundo e meta-se na sua vida. Ainda provoca um acidente grave.


App PictureShow com filtro e moldura 135 slide  © Carla Hilário Quevedo

Há dias, Hercule Poirot, o detective belga criado por Agatha Christie, disse a seguinte frase a propósito de assuntos tão importantes como o homicídio: “O mundo está cheio de pessoas boas que fazem coisas más.”

Não me lembro se a terá dito em “Crime do Expresso do Oriente”, uma obra-prima, mas faria todo o sentido naquele contexto. A solução para o crime coloca Poirot na situação de juiz, o que é raro, se não mesmo caso único. E Poirot decide como “pessoa boa que faz uma coisa má”. Mas até que ponto será mau o que fez?

Tomemos esta introdução como pano de fundo para a história que vou contar, que está, felizmente, vários furos abaixo do problema moral com que Poirot é confrontado. No caso de Poirot, temos a justiça a ser praticada pelas próprias mãos de várias vítimas, tornando-as homicidas. No caso da minha história quotidiana temos pessoas preocupadas com os outros, a querer fazer o bem, com efeitos que podem ir do sobressalto ao acidente e até à morte.

No ano passado ia tendo um acidente na Ponte sobre o Tejo. Vinha feliz da praia com uma amiga quando do carro atrás começam a buzinar imenso. “Mas o que é que se passa?”, perguntava ao espelho retrovisor como se esperasse ser atendida na resposta. As buzinadelas não paravam e o homem atrás gesticulava e apontava para a porta dele.

Percebi que “o problema” estaria relacionado com uma porta mal fechada. Provocado o pânico, perguntámos uma à outra: “É a tua ou a minha?” Íamos a meio da ponte e as buzinadelas não paravam. O condutor estava desesperado com a nossa distracção (não assinalada pelo carro) e estava disposto a tudo, até a provocar uma crise de nervos ao volante para resolver a situação, quem sabe se de vez.

Tentei não me deixar levar pela preocupação alheia, até porque se havia uma porta mal fechada o assunto não seria resolvido no tabuleiro da ponte. O homem lá me ultrapassou gesticulante ao ponto do pré-enfarte (dele) e quando parei em Campo de Ourique confirmei que havia uma porta mal fechada. Sim, e depois?

Há dias aconteceu o mesmo, embora na auto-estrada, também num regresso da praia. É provável que o sol e o mar enfraqueçam os braços das raparigas e daí haver portas de carros mal fechadas nestes dias. Lá apareceu outro homem cheio de gestos que se traduziam em “ai que horror, a porta!”

Parei numa bomba de gasolina e acabei com aquela fresta, a reentrância causadora de tantas angústias. Mas realmente, senhores, o que poderia acontecer? A porta abrir por causa do vento e arrastar-me com ela? Seria levada pelos ares, agarrada (ou não) à porta do carro, deixando o resto do automóvel e a passageira à deriva? Uma vez no ar, seria atacada por uma águia ou engolida por um dragão, ou raptada por extraterrestres, sugada por um feixe de um óvni que ali pairava no anonimato?

Nunca vi uma porta mal fechada de um carro abrir-se de repente provocando o caos, mas percebo a força da imaginação.

Porém, daqui faço um pedido: no momento em que for confrontado com a vontade de “fazer o bem”, avisando o outro do “perigo extremo” que corre, respire fundo e meta-se na sua vida. Ainda provoca um acidente grave.

Escreve à segunda-feira