Talvez a única verdade acerca da vida seja só a de que ela passa. Construímos para nós um passado que desejamos coerente e sem buracos negros, que nos acomode o presente, mas não é de todo certo que isso nos fortaleça e nem é certo que seja imprescindível ao que vai acontecendo.
A sorte, o azar e o acaso, que não dominamos, estão sempre longe da verdade dos cientistas, e nem por isso deixam de ser uma parte forte e intangível das nossas vidas, como também serão, paradoxalmente, parte da própria evolução da ciência.
Tal como a sageza, os erros também podem ser fecundos em História. Georges Duby escrevia que a descoberta da América por Colombo “foi talvez o erro mais fecundo da História”. E não sem que à Índia chegássemos nós, com toda a certeza de que lá chegaríamos. E terá sido essa a certeza mais fecunda da nossa História?…
Que não se veja niilismo ou qualquer imodéstia nestas pequenas banalidades. Mais não são do que teias urdidas por momentos tristes e emotivos, como é a injustiça da perda de um amigo do berço, tão pleno de vida nos projectos e no brilho da sua profissão de conservador-restaurador, “d’aquém e d’além-mar”.
Porque se tudo fosse justo e linear ele não partiria assim e já haveria remédio que curasse. E porque para além daquilo que é racional, justo e previsível, mas que afinal pouco conta, talvez haja uma outra verdade na vida para além da sua inexorável passagem: a verdade dos afectos e dos sentimentos.
Nascem, crescem e vivem connosco até ao fim. Por isso mesmo, o Miguel Mateus era o melhor e nos faz tanta falta. As crónicas, não.
Historiador.
Escreve ao sábado