“Prova”… para iniciados


Tudo quanto é divulgado na comunicação social como sendo provas seja do que for, são apenas notícias, histórias, narrativas… não são provas! Provas, só em processos.


O pressuposto em que assentamos o nosso pensamento no que respeita à “prova” é o de que o direito é uma ordem normativa. É um modo de “regular as condutas humanas na vida social. (…) Trata-se (…) de algo pertencente à ordem moral, isto é, ao domínio da conduta humana livre (do dever ser)”*.

Como tal, sendo o direito uma ordem criada pelo homem, terá necessariamente a configuração que o homem lhe dá para resolver os problemas com que se depara. Só perante uma concreta necessidade de regulação o direito surge e se desenvolve. 

Logo, se a questão da prova surgiu, historicamente, no seio das comunidades humanas, foi porque o homem se deparou com uma necessidade. E deparou-se com ela no momento em que a humanidade pediu ao direito que, mais do que enunciar o que deve ser, mais do que ser a enunciação de um conjunto de regras e princípios orientadores das condutas, decidisse casos concretos sob esse padrão do dever ser.

A prova surge, assim, como um mecanismo, um instrumento que permite ao direito vivificar-se na decisão dos casos concretos. Entendemos, portanto, que não há qualquer vivificação da prova (não desempenha qualquer função) fora da actividade de “dizer do direito”: não há, assim, verdadeira prova fora do processo.

Que todos os destinatários de normas, diariamente, temos de apurar da verificação da previsão da norma para podermos nortear-nos em conformidade (por exemplo, para nos afastarmos da proibição, evitando a sanção), é inequívoco. Nessa perspectiva, a determinação da realidade dos factos é uma actividade que todos realizamos. Todos lemos a realidade e julgamos ou não verificada certa situação, daí retirando consequências para orientação das nossas condutas. 

Mas não é nesse campo que a questão da prova joga o seu papel. Não há aí uma intervenção de prova… há vida!
A prova surge quando o direito se depara com a necessidade de disciplinar os modos pelos quais o poder que se exerce numa sociedade deve demonstrar a realidade dos factos para efeitos de, em última e oficial instância, dizer o direito. É precisamente para isto que serve o “processo”! Para aplicar o direito, afirmando o seu império, restaurando a paz social.

Por isso entendemos a “prova” como via ou mecanismo para a determinação da realidade dos factos, sempre que uma qualquer entidade dotada de poder tem de dar por verificada certa factualidade, para lhe associar as consequências jurídicas previstas pelo direito. 

Por isso, tudo quanto é publicamente divulgado na comunicação social como sendo provas seja do que for, são apenas notícias. Histórias. Narrativas (como hoje fica bem dizer). Mas não são “provas”.

Daí o risco, admitido em qualquer discussão séria sobre direito, de notícias da comunicação social tomarem o lugar sagrado reservado às provas, no que às decisões judiciais respeita. Isso cumpre aos julgadores e a todos os técnicos do direito evitar.

 * Mário Bigotte Chorão, “Temas Fundamentais de Direito”, Almedina, Coimbra, 1986, p. 37.

Advogado
Escreve à sexta-feira

“Prova”… para iniciados


Tudo quanto é divulgado na comunicação social como sendo provas seja do que for, são apenas notícias, histórias, narrativas… não são provas! Provas, só em processos.


O pressuposto em que assentamos o nosso pensamento no que respeita à “prova” é o de que o direito é uma ordem normativa. É um modo de “regular as condutas humanas na vida social. (…) Trata-se (…) de algo pertencente à ordem moral, isto é, ao domínio da conduta humana livre (do dever ser)”*.

Como tal, sendo o direito uma ordem criada pelo homem, terá necessariamente a configuração que o homem lhe dá para resolver os problemas com que se depara. Só perante uma concreta necessidade de regulação o direito surge e se desenvolve. 

Logo, se a questão da prova surgiu, historicamente, no seio das comunidades humanas, foi porque o homem se deparou com uma necessidade. E deparou-se com ela no momento em que a humanidade pediu ao direito que, mais do que enunciar o que deve ser, mais do que ser a enunciação de um conjunto de regras e princípios orientadores das condutas, decidisse casos concretos sob esse padrão do dever ser.

A prova surge, assim, como um mecanismo, um instrumento que permite ao direito vivificar-se na decisão dos casos concretos. Entendemos, portanto, que não há qualquer vivificação da prova (não desempenha qualquer função) fora da actividade de “dizer do direito”: não há, assim, verdadeira prova fora do processo.

Que todos os destinatários de normas, diariamente, temos de apurar da verificação da previsão da norma para podermos nortear-nos em conformidade (por exemplo, para nos afastarmos da proibição, evitando a sanção), é inequívoco. Nessa perspectiva, a determinação da realidade dos factos é uma actividade que todos realizamos. Todos lemos a realidade e julgamos ou não verificada certa situação, daí retirando consequências para orientação das nossas condutas. 

Mas não é nesse campo que a questão da prova joga o seu papel. Não há aí uma intervenção de prova… há vida!
A prova surge quando o direito se depara com a necessidade de disciplinar os modos pelos quais o poder que se exerce numa sociedade deve demonstrar a realidade dos factos para efeitos de, em última e oficial instância, dizer o direito. É precisamente para isto que serve o “processo”! Para aplicar o direito, afirmando o seu império, restaurando a paz social.

Por isso entendemos a “prova” como via ou mecanismo para a determinação da realidade dos factos, sempre que uma qualquer entidade dotada de poder tem de dar por verificada certa factualidade, para lhe associar as consequências jurídicas previstas pelo direito. 

Por isso, tudo quanto é publicamente divulgado na comunicação social como sendo provas seja do que for, são apenas notícias. Histórias. Narrativas (como hoje fica bem dizer). Mas não são “provas”.

Daí o risco, admitido em qualquer discussão séria sobre direito, de notícias da comunicação social tomarem o lugar sagrado reservado às provas, no que às decisões judiciais respeita. Isso cumpre aos julgadores e a todos os técnicos do direito evitar.

 * Mário Bigotte Chorão, “Temas Fundamentais de Direito”, Almedina, Coimbra, 1986, p. 37.

Advogado
Escreve à sexta-feira