© Eduardo Martins
A crónica de Paulo Varela Gomes publicada no último número da “Granta” e amplamente partilhada nas redes sociais – “Morrer É Mais Difícil do que Parece” – arrancou–me as entranhas, atirou-as ao chão e riu-se na cara delas.
Senti uma mistura de gratidão pela vida, medo de a perder, vergonha de a desperdiçar e uma miserável sensação de coisa nenhuma. É um texto íntimo de tamanho único, como deve ser uma crónica – esse formato que, entre a masturbação e a abnegação, tantas dores de cabeça me tem dado.
Mas é tão mais do que isso. É uma carta vinda de um sítio que parece longínquo e inacessível a quem, como eu, anda na sua vidinha a chafurdar em neuroses de luxo; um sítio de onde apenas me costumam chegar representações mais ou menos encantadoras através das artes e das letras, um pouco como aqueles postais do Algarve que mostram raparigas em topless que tanto podem estar em Quarteira como em Cancun.
É uma posta de honestidade, a crónica de Paulo Varela Gomes. Depois de a ler, pensei: “E agora, o que é que eu faço com isto tudo?”
E durante dias adiei escrever esta coluna, frustrada, tentando esquecer-me de que aquele sítio longínquo existe para me lembrar que o meu lugar é mesmo aqui, a escrever sobre festivais de Verão, crises geracionais e outros faits divers da condição humana. A fintar a morte airosamente, como só pode quem nunca lhe tocou. Não pode ser de outra maneira, não posso ser de outra maneira.
E depois de me livrar deste ensarilhado egocêntrico – lá está, é isso que se quer de uma crónica tão pessoal, que ecoe em cada um desta forma ensurdecedora –, pensei em Paulo Varela Gomes. E procurei um conforto triste na ideia de que a intimidade que ele criou com a morte lhe confere uma espécie de superpoder que parece torná-lo, estranhamente, menos mortal.
Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado