É certo que os homens costumam ter dificuldade em compreender as mulheres, mas Anabela Rodrigues não tem facilitado a vida aos polícias. Quando tomou posse, há precisamente sete meses e a seguir à inesperada demissão de Miguel Macedo, vivia-se um momento crucial no relacionamento da tutela com as forças de segurança. A hora não era, definitivamente, a melhor: Macedo preparava-se para começar a negociar os novos estatutos profissionais da GNR e da PSP e esperava-se que Anabela Rodrigues tivesse jogo de cintura para lidar com os sindicatos. Ainda assim, tinha a vida facilitada: o antecessor deixou os dois diplomas prontos e o mais difícil, coordenar as sensibilidades das cúpulas das polícias, estava feito.
Só que a ministra quis entrar com o pé esquerdo e demorou demasiado tempo a receber os sindicatos. Nos primeiros quatro meses de governo, recolheu-se num absoluto silêncio, numa altura em que a expectativa dos homens da GNR e da PSP era grande. Este foi o pecado número um de Anabela Rodrigues. Em Fevereiro, a paciência esgotou-se e um dos sindicatos da PSP, o SINAPOL, fez um ultimato público: ou a ministra avançava para as negociações ou os polícias convocariam uma manifestação. Foi só a primeira de várias ameaças.
Pouco tempo depois, as negociações do novo estatuto da PSP arrancavam de forma turbulenta. Os polícias sabiam que Miguel Macedo tinha deixado a proposta
praticamente concluída e conheciam-lhe as linhas-mestras. Por isso, e quando as reuniões arrancaram, os sindicatos perceberam imediatamente que tinha havido alterações profundas ao documento – classificado pelos agentes de “chocante”. O clima de tensão aumentou quando as várias estruturas conversaram entre si e se aperceberam de que a ministra dizia uma coisa a uns e outra a outros: a uns sindicatos, Anabela Rodrigues terá falado num horário de trabalho de 36h para todos os polícias, enquanto que a outros afirmou que as 36h só abrangeriam os elementos da área operacional. Todos os outros teriam de trabalhar 40h. A desconfiança e a dificuldade em entender a linguagem da ministra levaram a ASPP – o sindicato mais representativo da PSP – a exigir, numa das últimas reuniões, a redacção de um memorando. Para que não volte a haver dúvidas. O pecado número dois de Anabela Rodrigues foi querer mexer naquilo que já estava selado.
E quando as negociações com a PSP pareciam chegar finalmente a bom porto – com Passos Coelho metido ao barulho e obrigado à ministra que não pode haver uma manifestação de forças de segurança em época eleitoral -, Anabela Rodrigues decide atirar-se às associações sócio-profissionais da GNR, apresentando-lhes uma proposta de estatuto profissional que não lhes impõe um horário de trabalho, como tanto têm reivindicado, e altamente militarizado, como tanto têm criticado. A ministra quis comprar uma nova guerra, ignorando as expectativas dos polícias, e este é o pecado número três.
Se Anabela Rodrigues não agrada aos sindicatos e às associações, também não parece agradar às cúpulas das próprias polícias – que têm tido dificuldade em resolver assuntos burocráticos aparentemente simples. Fala-se mesmo numa “paralisação administrativa” na GNR e na PSP: os assuntos tardam em ser despachados no MAI. Também se conta, nos corredores, que a ministra ignora solicitações e contactos de câmaras municipais e outras instituições importantes em termos estratégicos. O pecado número quatro de Anabela Rodrigues é querer sobreviver sozinha.
Dentro do MAI o ambiente não anda bom. O secretário de Estado adjunto Fernando Alexandre – que fazia a ponte com as polícias nas negociações – bateu com a porta, incompatibilizado com a ministra. O problema de Anabela Rodrigues, e este é o pecado número cinco, foi ter imposto um estilo de liderança muito distinto do do antecessor. Enquanto Miguel Macedo almoçava e jantava com secretários de Estado e funcionários, Anabela Rodrigues é distante e exige marcação de reuniões – que precisam de ser agendadas com o chefe de gabinete – até para os assuntos mais triviais.
Entretanto, nem uma palavra sobre o SEF, que se vê a braços com uma falta de pessoal gritante e crónica, algo que tem comprometido a segurança das fronteiras nacionais. O presidente do sindicato dos inspectores chamou-lhe, há dias, uma “não-ministra”. O pecado número seis de Anabela Rodrigues é a aparente incapacidade de decidir de forma assertiva e de conciliar.
Sete meses não chegam para um balanço positivo. No seio das forças de segurança vive-se um clima de grande instabilidade e a ministra, por estar absolutamente fragilizada e isolada e não recolher qualquer simpatia, terá obrigatoriamente de ceder às reivindicações dos polícias – sob pena de enfrentar uma mega-manifestação.
Tudo o que Passos Coelho não quer.
Pelo meio, já se soube que a grande bandeira deste governo para a Segurança caiu. Não vai haver novas leis orgânicas da PSP e da GNR até ao final da legislatura. Anabela Rodrigues desculpou-se, dizendo que quando chegou ao MAI não havia uma “proposta palpável” a que se pudesse agarrar e que agora já não há tempo. A ministra sabe que havia propostas palpáveis e Miguel Macedo e as polícias também. E este é o pecado número sete de Anabela Rodrigues. Em sete meses.